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“Trabalho corporal em equipes esportivas: Mais um espaço de intervenção psicológica” – Kátia Rúbio

 

(Revista “Boletim Clínico” no. 3 )

A dinâmica dos grupos esportivos tem sido um grande desafio para técnicos, atletas e profissionais que estudam o esporte. Isso porque muito já se testou, avaliou e analisou atletas individualmente, buscando-se perfis ou padrões que pudessem oferecer subsídios para se chegar a níveis ótimos de performance.

Trabalhando como psicóloga de equipes esportivas, foi possível observar que esse modelo apresentava algumas lacunas. Isso porque a representação social que o atleta tem do psicólogo é uma mistura de fantasia – alguém que cura – e de assombro – aquele que desvenda os mistérios da alma.

No contexto esportivo, esse fato ganha novas proporções. Submetido a uma rotina desgastante de treinos e jogos o atleta – este herói da modernidade – se vê envolvido por questões como a ausência de contato com a família, super exposição na mídia e a impossibilidade de admitir – para si e para o público – suas fragilidades, angústias e incertezas, posto que ainda que uma figura mítica, nosso herói contemporâneo não habita o Olimpo nem bebe da ambrosia com os deuses, mas estabelece relações afetivas e sofre com os transtornos que cerca a vida de um atleta que também é cidadão brasileiro.

Longe da máxima “o importante é competir”, o esporte de alto rendimento é, na atualidade, a instituição que movimenta as maiores somas de dinheiro do planeta, transforma o lazer em trabalho alienante e submete o corpo do atleta a um uso contínuo resultando em inúmeras contusões e na interrupção prematura de grandes talentos.

O trabalho de preparação física é quase sempre feito para um conjunto de pessoas desconsiderando as características individuais do grupo, resultando em sobrecarga para uns e em déficit para outros. Sendo depositada nas mãos de alguém, a incumbência da preparação física é, para o atleta, um trabalho desgastante, muitas vezes desprovido de sentido, assemelhando-se a um castigo. Diante disso, o atleta vai se distanciando da responsabilidade do conhecimento de seu corpo e perdendo a consciência de seus limites, passando a executar exercícios e movimentos mecanicamente, apartando-se das reações e sensações de seu próprio corpo.

Tendo alguns esportistas já se submetido aos inúmeros testes psicológicos, em outras ocasiões a possibilidade de se submeter a eles, novamente, chega a causar assombro. A razão desse comportamento reside no fato de muitos terem oferecido sua subjetividade, cognição e vivência, numa situação cercada por sigilo e garantida por um código de ética e virem essas informações ter um fim nas mãos de pessoas inadequadamente preparadas para decifrá-las, ou pior, de outras inescrupulosas que não se furtam a divulgar as fontes e o sujeito dos dados. Ou seja, ainda que apenas se inicie, o uso da psicologia no esporte já se depara com graves questões que chegam a causar resistência em alguns e até mesmo recusa de outros.

Mas esse estudo se presta a uma análise de fenômenos que ocorrem em equipes esportivas e não ao papel que o psicólogo desempenha nelas.

Quando falamos em times ou equipes esportivas não estamos nos referindo apenas a um conjunto de indivíduos que se agrupam por dimensões temporais e espaciais, mas sim ao complexo conjunto de fatos objetivos e subjetivos que torna um grupo efetivo e desejoso de alcançar suas metas, sejam elas uma atuação adequada em uma partida, a vitória ou apenas uma boa colocação em um campeonato.

Autores como Maters e Peterson (1976), Lenk (1976) e Simões (1996) têm postulado que uma equipe esportiva é mais que a soma de valores individuais e que o time com melhor performance não é composto, necessariamente, pelos melhores jogadores individuais, representando que não é a qualidade individual o de que se necessita, somente, para formar uma equipe com probabilidade de êxito. O mais importante é a capacidade de coordenação de cada um dos valores que entram em jogo, uma vez que o resultado somente se dará com a soma desses valores.

Exemplo disso são os jogos amistosos em que o time campeão da temporada joga contra a seleção dos melhores jogadores desse campeonato, escolhidos através de critério estatístico. Neste ano de 1997, o campeão da Super Liga de Vôlei Masculino – Report/Suzano – venceu por um placar incontestável (3×0) um time de 12 atletas comandado por três técnicos. Se número e colocação estatística fossem indícios de eficiência e eficácia, talvez o placar fosse outro.

É claro que outras questões estão envolvidas nessa dinâmica, ou seja, não basta apenas um atleta trabalhar contra o grupo para que os objetivos não sejam alcançados, além do que essa atitude nem sempre é uma conduta consciente. Se o grupo como um todo está identificado com a tarefa proposta, esforços no sentido oposto são identificados, isolados e trabalhados em favor da própria equipe. Isto, porém, só pode se dar quando o grupo se conhece através de suas partes – o auto conhecimento, seja do atleta ou membro da comissão técnica – e de seu todo – o conjunto em movimento, no momento da atuação.

Aquilo que acabamos de designar enquanto partes é, na verdade, cada membro do conjunto, cada indivíduo na sua totalidade. Quem sou, de onde vim e para onde vou são perguntas tão antigas – e de difícil resposta – que chegaram a servir ao deus Apolo, onde a Pítia expressava seu oráculo. Mesmo passados os séculos, e com todo o desenvolvimento tecnológico alcançado nos últimos anos, essas perguntas ainda esperam por resposta. Quem são essas pessoas que dispostas a levar vida tão regrada e árdua, que apesar de toda a exposição pública que suportam, experimentam longos períodos de solidão e que possuem corpos vigorosos mas que nem sempre encontram a representação de tal imagem em seu inconsciente?

Tentar justificar uma dessas respostas objetivamente, fosse através de questionário ou de alguma nova máquina invasiva, seria um esforço injustificado quando já dispomos de alguns recursos que têm alguns anos de vida e que recebem a denominação de projetivos.

Sabendo do papel e da importância que o corpo tem para o atleta, optamos em nos aproximar da primeira pergunta da esfinge quem sou através da apercepção da imagem corporal. Que representação tem de si alguém que corre, salta, ataca, defende e executa movimentos nem sempre percebidos mas quase sempre comandados por alguém cuja função recebe o nome de preparador físico – e não preparador corporal – e que raramente trabalha o corpo do outro com sensibilidade e percepção do conjunto envolvido?

Estava dado o primeiro passo rumo à subjetividade – de si e do outro – adentro.

A imagem corporal tal como Schilder (1980) concebeu não é apenas construída da experiência de percepções cinestésicas, mas também de todas as imagens, sensações e emoções dos momentos por que passa o corpo ao longo da existência, constituindo o substrato inconsciente das representações corporais.

Partindo desse pressuposto, levantamos a hipótese de que a construção da imagem corporal individual poderia interferir na criação e desenvolvimento de uma imagem corporal grupal, aproximando-se daquilo que Pichon-Riviére (1995) chama de formação de vínculo grupal.

É fácil entender por que parti de Schilder para falar de corporeidade, mas como e por que juntá-la a Pichon-Rivière? Porque ele afirma que o grupo é um espaço de aprendizagem, um novo espaço didático que abarca três conceitos: informação, emoção e produção e coloca a importância do corpo na compreensão dessa dinâmica, dizendo que o esquema corporal se conforma através de senso-percepções que vêm do próprio corpo como também do corpo do outro, num verdadeiro processo de construção, reconstrução, ruptura e nova construção.

Mas passemos à proposta de trabalho. Durante o ano de 1996, acompanhei uma equipe de voleibol masculina de alto rendimento, ou seja, profissionais do esporte, de um grande clube de São Paulo. É necessário caracterizá-la como tal na medida que esse dado faz toda a diferença para uma equipe amadora.

Enquanto profissionais esses atletas treinam em dois turnos diários: usualmente das 9 horas ao meio-dia e das 16 às 19 horas. Todos os dias, na parte da manhã, fazem condicionamento físico com uma carga intensa de musculação e corrida. Somado a isso estão os jogos que podem acontecer duas ou três vezes por semana, dependendo do campeonato, sendo que um deles acontecerá, com certeza, num final de semana. Quando entrei para a equipe o campeonato ainda não tinha começado e, apesar disso, alguns atletas já demonstravam sinais de fadiga.

A primeira intervenção foi uma entrevista individual que objetivou conhecer um pouco da trajetória de cada um dos atletas até o presente, no que se refere ao esporte, às motivações para estar naquele clube e não em outro e as expectativas em relação àquele grupo. Feito isso, começamos o trabalho com o grupo propriamente dito – atletas e comissão técnica.

A primeira sessão foi o primeiro contato com uma proposta que mexia com o corpo de uma forma diferente daquela que eles todos estavam acostumados a lidar. Trabalhamos respiração, movimento sutil, visualização e por fim, um desenho da figura humana e outro do grupo. Foi interessante perceber, logo de saída, que parte dos desenhos do grupo não era compatível com aquilo que havia surgido nas entrevistas individuais, ou seja, no verbal o discurso era de união, de despreocupação com a posição na equipe e de respeito. Os desenhos, porém, apontaram para uma preocupação demasiada consigo próprio dentro do grupo, a desunião caracterizada na formação de panelas e no ‘cada um por si’ e uma consciência da distância entre o falar e o fazer. Essa primeira sessão somada a alguns testes – sociometria e POMS – possibilitaram um diagnóstico individual e grupal da equipe. Cruzando esses dados, não foi preciso muito tempo para ver que o trabalho que tínhamos pela frente exigia uma mistura de Hércules e Psiquê, ou seja, a força de um e a paciência da outra, mas, e talvez mais importante, a determinação de ambos.

Passada a desconfiança inicial de uns e a euforia de outros, o trabalho de intervenção psicológica foi ganhando identidade: favoreceu a recuperação daqueles que tinham se contundido, permitiu o conhecimento de outras propostas de atuação para os momentos de maior estresse e desgaste físico e ofereceu conforto para os que tinham problemas familiares que interferiam no rendimento esportivo.

À medida que as semanas – e ao longo delas as sessões – foram passando fomos trabalhando com relaxamento, exercícios de percepção e movimentos sutis, acompanhados das sensações, imagens ou outras situações desencadeadas por esse tipo de atividade. As respostas a cada sessão eram variadas e inesperadas. Parecia que nenhum modelo teórico ou prático era 100% aplicável ao grupo, tamanha era a inconstância das respostas. Passei a encarar cada sessão como uma nova proposta que poderia trazer alguma nova resposta ou não. Apesar da inconstância, o grupo apresentou uma curva ascendente no plano pessoal e grupal, tendo sido, este momento, apreendido na aplicação de um teste sociométrico. Ali pôde-se ver que, de fato, o núcleo do grupo estava constituído, e que aqueles que, num primeiro momento, eram tidos como amigos e possíveis líderes do time depois dessas 9 sessões, através das dinâmicas e dos trabalhos corporais, já não correspondiam à confiança que o grupo lhes depositara num primeiro instante.

Não foi preciso muito tempo para perceber que um único modelo – fosse ele da psicologia ou do esporte – epistemológico ou interventivo, não seria suficiente para abarcar toda a complexa constelação de fatos que ocorrem durante um campeonato profissional. Foi necessário, sim, lançar mão de diversos recursos tanto das áreas já citadas como da sociologia, da antropologia e, por que não, da minha própria experiência enquanto atleta. Ainda que Tani (1996) diga que “não basta adotar uma abordagem, é preciso praticá-la, aperfeiçoá-la e isso se dá conduzindo-se pesquisas qualitativamente aceitáveis”, percebemos ao longo de todo o processo desenvolvido neste trabalho que a convergência das áreas de conhecimento não pode ser apenas um sonho teórico, mas tem de se realizar enquanto uma disposição concreta, tanto no sentido da melhor qualidade de vida do atleta – mesmo tendo como modelo o esporte de alto rendimento – quanto na transformação dos dados desse cotidiano em produção acadêmica.

Sabemos que ainda esse modelo não existe e, portanto, urge que criemos condições para que a demanda das equipes seja satisfeita sem que percamos, contudo, a consciência crítica de que caminhamos por uma trilha que ainda não é uma estrada, mas que serve de traçado para que, em breve, ela se concretize em bases sólidas. Qual o seu fim? Seria temeroso afirmá-lo, afinal, uns procuram a estrada sabendo onde querem chegar, outros a tomam com o intuito de descobrir pelo caminho se o final é seu objetivo ou tão somente se aquele foi um meio para uma descoberta que vai em outra direção.

Bibliografia:

Lenk, H. Top Performance Despite Internal Conflict: an Antithesis to a Functionalists Proposition. In: C. A. (ed.) Psychology of Sport. Palo Alto: Mayfield Company, 1976.

Masters, R.; Peterson, J. Group Cohesiveness as a Determinant of Success and Member Satisfaction in Team Performance. In.: C. A. Fisher (ed.) Psychology of Sport. Palo Alto: Mayfield Publishing Company, 1976.

Pichon-Rivière, H. Teoria do Vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

Shilder, P. A Imagem do Corpo. As energias constitutivas da Psique. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

Simões, A.. C. Ideologia de Liderança no Esporte: uma Visão do “Ideal Próprio” dos Técnicos e “Real Equipe” dos Atletas. São Paulo, 1996. Tese (Livre Docência), Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo.

Tani, G. Cinesiologia, Educação Física e Esportes: Ordem emanente do caos na estrutura acadêmica. Revista de Divulgação Científica do Mestrado e Doutorado em Educação Física. V.1, n.1. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, 1996.

“Cinesiologia Psicológica – Integração Psicofísica” – Fernando Nobre Cortese

 

Introdução:

Nossa abordagem, criada e desenvolvida pelo Dr. Petho Sandor (1916-1992), médico e psicólogo húngaro radicado no Brasil desde 1949, fundamenta-se em uma visão do ser humano como um todo integrado corpo/mente, aproximando-se do que hoje se denomina visão holística. Tenta-se ainda superar a falsa dicotomia herdada do cientificismo mecanicista que dominou a ciência e cultura ocidentais após o renascimento. Nossa postura filosoficamente encontra fundamentos na Antigüidade Clássica, e na filosofia oriental.(1) Modernamente, a Física ocidental realizou um enorme salto qualitativo na teoria do conhecimento, ao provar que a redutiva dualidade matéria/energia, ou corpo/mente, ou tempo/espaço, ou sujeito/universo é nada mais do que uma abordagem oriunda da percepção do observador e, portanto, condicionada e limitada pelos seus sentidos e sua consciência.(2)

Esses fundamentos filosóficos e epistemológicos estão presentes na obra teórica e prática de C.G.Jung. O conceito de inconsciente coletivo universaliza o homem e liberta-o das limitações dos parâmetros da consciência egóica, abrindo novas dimensões espaciais e temporais. A postura de Jung, calcada também na Fenomenologia, busca escapar dos condicionamentos mentais pré-estabelecidos, numa relação mais integral com paciente e com o conhecimento. “Tento, tanto quanto possa, não ter idéias pré-concebidas e não usar métodos já prontos e ter a idéia de que, eu mesmo, determinarei meu método; procederei da forma como sou.”(CGJ)

Podemos citar: Sócrates – “Conhece-te a ti mesmo”; Platão – “A idéia origina o ser”; Heráclito – “Tudo flui…Tudo provm do Logos”; entre os egípcios, Hermes Trimegistros – “Sob as aparências do Universo, do Tempo, do Espaço, e da Mobilidade, está sempre encoberta a Realidade Substancial: a Verdade Fundamental”- “O que está em cima é como o que está embaixo, e o que está embaixo é como o que está em cima”; para os orientais “A unidade de vida e consciência é o Tao” como mostra Jung em “O segredo da Flor de Ouro” (2)

Sándor assumia a visão de homem e postura de Jung. Ao já conhecido trabalho verbal com os conteúdos psíquicos, acrescentou o trabalho corporal. Jung, embora não trabalhasse corporalmente os pacientes, utilizava com liberdade técnicas como pintura, música, extrapolando padrões fixos, “setting”, e horários.

Encontramos, porém, em Jung muitas citações que mostram como em sua observação da dinâmica psicológica, o dinamismo corporal está presente, e desafia nossa ciência atual a integrá-los. “Corpo e psique são os dois aspectos do ser vivo, isso é tudo o que sabemos. Assim prefiro afirmar que os dois agem simultaneamente, de forma milagrosa, e é melhor deixar as coisas assim, pois não podemos imaginá-las juntas. Para meu próprio uso cunhei um termo que ilustra essa existência simultânea; penso que existe um princípio particular de sincronicidade ativa no mundo, fazendo com que os fatos de certa maneira aconteçam juntos como se fossem um só, apesar de não captarmos essa integração”.(1)

Wilhem Reich, de onde provém também parâmetros para nossa abordagem, localizava o psíquico no corpóreo, sendo o toque corporal fundamental em seu trabalho de diluição das couraças musculares e de caráter e liberação da energia reprimida.

Em J.H.Schultz e seu Treinamento Autógeno, Sandor resgatou a idéia da “psicoterapia organísmica” e do “recondicionamento físio-psíquico”. Como Sandor, Schultz desenvolveu com pacientes de um hospital durante a guerra formas práticas de atuar sobre o organismo fisiopsíquico facilitando o reequilíbrio e reorganização desse organismo em um ritmo mais integrado. Enquanto Schultz utilizou estímulos sonoros verbais para conseguir essa “comutação” de estado fisiopsíquico, Sandor desenvolveu estímulos cutâneos para o mesmo fim – a Calatonia.(2)

Nosso trabalho corporal visa, em várias dimensões, reintegrar o paciente consigo mesmo. Em primeiro lugar, o trabalho corporal reconecta o homem com sua natureza mais imediata , o corpo físico, origem do eu corporal, fornecendo sensações e informações que orientam o indivíduo se eles as observa adequadamente. Nesse sentido, o trabalho corporal atua como um instrumento de profilaxia da saúde, permitindo a reorientação do cuidado consigo.

Nas formas em que atuamos – calatonia, reajustamento dos pontos de apoio, toques sutis – o trabalho proporciona uma peculiar comutação fisiopsíquica que conduz a um estado alterado de consciência, uma espécie de mudança na faixa de funcionamento do ego na vigília cotidiana, com sensações e imagens próprias desta outra faixa. Isto permite o experienciar de conteúdos distintos dos habituais. Essa vivência ajuda no descondicionamento do ego, no ultrapassar aquelas categorias de pensamentos, sentimentos e sensações padronizados e inculcados pela cultura de massa em que estamos envolvidos. Há aqui uma possibilidade de contato mais profundo e autêntico com aspectos do nosso Eu inconsciente, o centro da personalidade chamado Self por Jung.

Essa reconexão é fundamental para que o homem possa orientar seu trajeto de individuação no sentido de realizar o potencial presente no Self, no Si Mesmo, encoberto e distorcido em nossa cultura pelos condicionados e desequilibrados desejos e aspirações do ego. O ego quer realizar-se mas o Self quer realizar-SE, isto é, cumprir a destinação daquele organismo individual de participar harmoniosa e integradamente dAquele Organismo maior de que faz parte. A psique consciente do homem atual padece de uma deformação característica de nossa cultura – a inflação do ego – que exorbitando sua função original almeja controlar e determinar o processo do Ser.

Essa é uma grave ilusão – o homem não pode controlar a Natureza, física ou psíquica – nem mesmo pode compreendê-la totalmente – ele é parte dela e funciona de acordo com suas leis – como disse Jung, o inconsciente é que determina se vou conseguir pronunciar(ou escrever) a próxima palavra. Essa ilusão do homem atual tem sérias conseqüências – a Natureza física e psíquica ressente-se de sua ação unilateral e predatória, e mostra os desequilíbrios resultantes.

Essa reaproximação do paciente com sua Natureza é propiciada por vários elementos. Deitar-se, despojar-se das roupas, fechar os olhos, já configura simbólica e fisiológicamente uma alteração do ritmo de funcionamento corpóreo e psíquico. Entregar-se ao toque proposto e deixar as percepções serem vivenciadas permite a experiência dos conteúdos das camadas mais interiores. E o estímulo do toque, ao trazer descontração muscular, reequilibro das funções respiratória, circulatória e outras, complementa a criação do campo fisiopsíquico propiciador dessa experiência.

O tipo de toque que utilizamos busca essa característica não condicionada, não habitual, mais arcaica – por exemplo, toques nas plantas dos pés ou ao longo do coluna vertebral – bem como configurações grupais primitivas, que evocam o arquétipo – o círculo, as mãos dadas, a dança, a emissão de sons primordiais(A).

O campo fenomenal onde se dá o trabalho corporal é criado pela interação terapeuta/paciente, constelando o arquétipo de cura e configurando um “vaso hermético” onde a energia fisiopsíquica mobilizada operará as transmutações e transformações em ambos.

A terapia organísmica necessita de uma atitude interna do terapeuta de entrega ao processo e soltura em relação a idéias e intenções pré-concebidas. Também ele tem que dar-SE. O que ocorre é um processo que confronta, intercambia, integra e transcende os dois, terapeuta e paciente, ao constelar o terceiro ponto, aquela energia de síntese que provem do Eu inconsciente – Self.

O terapeuta move-se mais no eixo sensação/intuição, ao observar seu paciente, ouvi-lo com a ponta dos dedos e deixar que as impressões vindas do inconsciente através da função intuitiva configurem o trabalho a ser realizado. Pensamentos e sentimentos, demais condicionados socialmente, participam menos nesse momento e mais na elaboração posterior.

O corpo revela e desvela o universo interior através do toque. Atua o sistema nervoso vegetativo, ou autônomo(isto é, independente da consciência). “Há evidências singulares a respeito da participação dos diversos segmentos do sistema vegetativo na formação de imagens, e da importância do cerebelo na coordenação dos fragmentos delas. Parece que cada viscerótomo, neurótomo, miótomo, ou dermátomo condiciona certas qualidade ou certa intensidade de dinamismo psíquico que tende a se manifestar como imagem em certas etapas do trabalho aferente ou eferente.”(Sandor).

“Experimentando o emergir das imagens calatônicas, suas transformações, sobreposições ou fusões entre si, percebe-se o seu dinamismo integrador e ainda outro fato bastante peculiar: a finalidade inerente, isto é, elas surgem com aquele conteúdo que para os problemas momentâneos do paciente é o mais indicado, abrangendo as áreas necessárias e – como Jung diria – “constelam” as respectivas esferas vivenciadas, as potencialidades”. (Sandor).

Observar atentamente esse processo que ocorre através do trabalho corporal é muito importante para o desenvolvimento psicológico. Na verdade essa observação atenta de si é a função religiosa da psique (religião=relegere) na acepção de Otto que Jung incorporou para descrever a religião como um instinto psicológico e o seu não atendimento como origem dos desequilíbrios físicos e psíquicos da segunda metade da vida. Religião é observar-SE e trabalho corporal cria condições para isso.

Este texto é usado como material didático no I ano do curso de Cinesiologia do Instituto Sedes Sapientiae.

Referências:

(1) Jung, “Fundamentos da Psic. Analítica” – Vozes – parágrafo 69

(2) Sándor, “Técnicas de Relaxamento”- Vetor

Indicações Bibliográficas Básicas:

Sobre Integração Fisiopsíquica:

Sandor, Petho – “Técnicas de Relaxamento”- Vetor

Farah, Rosa – “Integração Psicofísica – Cia, Ilimitada

Delmanto, Suzana – “Toques sutis” – Summus

Sobre Psicologia Analítica:

Jung – “Fundamentos da Psicologia Analítica”- “A Natureza da Psique”- ” Práticas da Psicoterapia” – “Psicologia e Religião Oriental”- Vozes

“Memórias, Sonhos, Reflexões”- Nova Fronteira

Silveira, Nise – “Jung: Vida e Obra”- José Álvaro Ed.

Sobre Trabalho Corporal e Psicologia:

Schultz, J.H. – “Treinamento Autógeno”-

Reich, Wilhem – “A Função do orgasmo”- Martins Fontes

Gaiarsa, J. – “Reich-1980”- Agora

Mindell, A .- “O Corpo Onírico”- Brasiliense

Brennan, Bárbara – “Mãos de Luz”- Pensamento

Montagu, A .- “Tocar: o Significado Humano da Pele”- Summus

Sobre os novos paradigmas da Ciência:

Sousa, W. – “O Novo Paradigma” – Cultrix

Capra, Fritjof – “O Tao da Física” – Cultrix

Toben e Wolf – “Espaço-Tempo e Além” – Cultrix

Von Franz,M.L. – “O Homem e seus Símbolos” – Aguilar

Brennan, B.- “Mãos de Luz” – Pensamento

Sobre Anatomia e Fisiologia:

Jacob e Francone: “Anatomia e Fisiologia Humana” – Guanabara

Calais-Germain,B. – “Anatomia para o movimento” – Manole

Sobre Filosofia:

Vita, Luís W. – “Pequena História da Filosofia – Saraiva

Gaarder, J. – “O Mundo de Sofia” – Cia das Letras

“A Espiritualidade do Contato – A massagem bioenergética neonatal de Eva Reich, como promoção da saúde e como prevenção da biopatia” – Silja Wendelstadt (tradução, notas e comentários de Mariangela G. Donice*)

 

Quando Wilhelm Reich fundou a OIRC (Organ-Infant-Research-Center) em 1949, Eva Reich era médica e assistente de seu pai. O objetivo da Fundação do Centro era descobrir qualquer coisa que indicasse se a criança era saudável. Wilhelm Reich queria compreender de que modo, as crianças iniciavam e desenvolviam os seus bloqueios musculares e emocionais; seu objetivo era de prevenir uma formação precoce de uma “armadura de caráter”; muscular e emocional que poderia predispor a uma futura vida infeliz.

Para W. Reich sem dúvida a depressão crônica, a cisão esquizofrênica, e os traços de caráter esquizóide, o comportamento violento e anti social; teriam como origem a experiência traumática precoce, acontecido no inicio da vida, quando a criança para se proteger da dor, contraiu todo o seu “plasma vital”. É nesta fase da existência, que se deve atuar, no trabalho de prevenção da biopatia.

Eva Reich é uma daquelas poucas pessoas que viu seu pai trabalhar até o fim de sua vida, de um modo extremamente doce com os recém nascidos. Depois da sua morte, ela tem continuado sua obra de prevenção, e elaborou toda uma técnica da “Gentle Bionergetics”, ensinando pela América, Europa e Austrália.

O Conceito do “Contato”:

Observando no microscópio os movimentos dos organismos vivos unicelulares observou como uma ameba reagia, W. Reich tinha então descoberto uma regra que, segundo ele, regularia o processo vital de pulsação interna deste organismo unicelular e na relação entre eles. W.Reich chamou estes organismos unicelulares de “bio-sistema”.

Um “Bio-sistema” consiste de um núcleo energético pulsante no centro, o sangue, e uma membrana que o contém. A energia pulsa no interior da membrana e um campo energético se estende em torno desta. Se o ambiente é estimulante, a ameba se expande com um movimento fluído, fazendo essa energia fluir em direção à periferia e o campo de energia se alastra, se ao contrário, a estimulação por parte do ambiente é hostil, a ameba se contrai, isto faz com que sua energia flua da periferia para o centro retraindo o seu campo de energia. Se a estimulação por parte do ambiente continua e é negativa, a pulsação cessa e a ameba morre.

Para W. Reich, metaforicamente, é como se no caso de um ambiente estimulante, a ameba dissesse “sim” com o movimento de expansão em direção ao ambiente externo; enquanto que ao contrário na contração dissesse “não”.

A ameba procura um encontro agradável com outra ameba mediante um movimento ondulatório e faz “contato” entre elas, através de uma “ponte de energia”. O processo de “contato” começa quando dois campos de energia de dois bio-sistemas pulsantes se atraem, se tocam, se sobrepõe e se fundem, emanando luz e vibrando juntos.

W. Reich deduziu que o movimento da “bio-energia” no plasma da ameba é funcionalmente idêntico ao movimento do plasma de todos os seres vivos; (que é um biossistema muito mais complexo) e que a emoção (Expansão = Sim; Contração = Não), seja um movimento real energético-expressivo do plasma. Ele chamou este movimento de “linguagem expressiva do ser vivo”. W. Reich defende que este processo é funcionalmente idêntico no “Contato” entre o recém-nascido e a mãe.

A função da mãe (ou de quem lhe faz a vez) é o de promover prazer ao recém-nascido de modo que possa entrar em “contato” com ela, para poder desenvolver o nascimento do seu potencial de crescimento. Para W. Reich o prazer torna-se o processo especificamente produtivo do sistema biológico. O recém-nascido “passivo” na “fase autista” é, segundo este modelo, um bebê não adequadamente estimulado pela mãe, esta fora do mundo.

Segundo W. Reich o bebê não é passivo, mas nasce com um alto potencial de bio-energia pulsante com a qual se exprime: onde a excitação parte de seu corpo, se expandindo para entrar em contato com o ambiente-o corpo da mãe os dois bio-sistemas se expressam cada um com sua própria vibração auto-expressiva e, no “contato”, formando um único biossistema maior, no interior de qualquer campo de energia se funde, comunicando-se com movimentos de expansão em direção ao ambiente circundante.

W. Reich chama este processo de “bio social”; “bio” porque é uma comunicação emotiva a um nível de pulsação plasmático-energético, “social” porque se desenvolve entre dois seres humanos. Segundo ele a comunicação bio-social é a base de qualquer comunicação .

As pesquisas de W. Reich nos anos 50 vem hoje confirmar a recente indagação face aos recém-nascidos e suas mães. Em vídeo-registro se analisou e salientou com a câmara, tornando possível visualizar a micro-interação que não se pode observar a olho nu, onde se vê um recém – nascido visto pela primeira vez. De modo algum passivos, por sua própria iniciativa estimulam sua mãe a responder mostrando sua necessidade, não recebem e nem compreendem as mensagens. Se o seu desejo de diálogo muda, o pequeno é motivado a explorar, a brincar e a se cercar de prazer. Se sua mãe não pode escutar suas mensagens, o recém-nascido luta para ser notado, chora. No entanto se não é correspondido repetidamente, renuncia e se retira em si mesmo; não acredita mais na sua própria capacidade em estabelecer um “Contato”.

O recém-nascido, pela estimulação de suas próprias funções vitais, tem necessidade de enraizar-se no campo de energia de sua mãe. A sua vida depende disto. Quando está enraizado no “Contato” com sua mãe o recém-nascido se encontra num estado de saúde: isso é observado através do doce o calor emanado pelo corpo, é visível a cor rosada da sua pele que se evidencia também nos olhos brilhantes, enquanto os movimentos expressivos do bebê provocam o cuidado de sua mãe. Quando esta se aproxima durante a massagem no recém-nascido; Eva Reich fala de “glow and flow” (afeto e fluxo): “glow and flow” é a expressão visível do estado de saúde e bem-estar do recém-nascido “em contato” com sua mãe; é a expressão visível da liberdade da pulsação sangüínea – energética auto -expressiva, através do qual a mãe e o recém-nascido dialogam ; únicos em um único bio-sistema, quem “sabe” como se desenvolverá, se a mãe puder cooperar.

Dá prazer esse funcionamento e esta inter-relação durante o “contato-bioenergético”. Deste contato depende o desenvolvimento futuro da criança.

Eva Reich explica como o “limite” é uma função de “contato” sobre o qual se pode trabalhar bio-energéticamente e ensina como se faz com o método da “Gentle Bioenergetics”, ensina, sobretudo, como prevenir, no início da vida, os distúrbios na relação mãe-bebê, e as conseqüências para eles efeitos graves para o futuro desenvolvimento da criança.

Um diálogo especial – carinho e amor:

O “contato” é um processo rítmico, energético, de tensões -carinhosas e de descarga – relaxamento. Como W. Reich descreve em “A Função do Orgasmo”. Todas as emoções tem esse ritmo: O acalentamento, o jogo, o pranto, e coisas assim.

Durante a massagem bioenergética que ensina Eva Reich, a pele da criança tem fome de contato com o corpo da mãe e a deseja ardentemente (tensão). No contato agradável com as mãos da mãe a pele de ambos se carrega de energia, tornando rosa, quente, vibrante, e um sentido de bem estar, conforto, que invade todos os dois, a criança arde de prazer de ser amado.(carga). Depois que o pequeno se sacia, a carga flui para o centro (descarga), e, feliz e relaxado, se abandona nos braços da mãe. Você me sente, eu sinto você; nós dois nos pertencemos”. Esta é a estrutura da vida e do amor: um fluxo rítmico-energético entre dois seres vivos. O significado original da palavra religião é “pertencer”.

Em um continuum de experiências filogenética a criança estimula sua mãe a responder a sua mensagem e espera que assim seja escutado.Com um senso infinitamente sutil e refinado, comum a todas as mulheres, a mãe sente dentro de si a reposta “exata”, responde alegremente à sua volta, ao feedback da criança.

Este “contato” rítmico–energético é “Grounding and Grace”. Grace ou graça, vem do Grego charis, Amor que cura; Graça em Hebraico significa também “Útero”. O “grounding” é a conexão energética com a mãe, é a condição com a qual a criança poderá tecer o seu Ser no mundo. Graça é a encarnação do amor e da cura com a qual a mãe se dedica, do seu ser mais profundo às necessidades que não são satisfeitas da criança.

Este fenômeno do “contato”, que segundo W. Reich é “a linguagem expressiva do ser vivente”, vem descrito em termos científicos bio-energéticamente como superposição dos campos de energia de dois bio-sistemas vibrantes. Hoje as recentes pesquisas sobre recém-nascidos, feitas com a câmara de vídeo, mostra ao mundo como o fenômeno do “contato”, mãe/recém-nascido, este diálogo dança da linguagem primária do ser vivente. “Toda mãe cria e passa esta dança pessoal e única, executando e transmitindo diante da própria criança”. Neste peculiar e perfeito movimento, a seqüência improvisada da adaptação recíproca, é parte de um processo universal, comum a toda mulher.

O conceito de “identificação vegetativa” foi introduzido por Reich e indica a capacidade de sentir no próprio organismo um processo específico energético, emocional, de excitação de outra pessoa e de reconhece-lo. Eles descobriram que esse é um “contato” suficientemente profundo entre dois organismos havendo uma ressonância energética; com isso plasmática. Esta ressonância devolve a possibilidade vital no próprio corpo expressando na pessoa com a qual esta em “contato”.

As crianças se manifestam com movimentos auto-expressivos, que são reais processos biofísicos energéticos – plasmáticos, com os quais estimula sua mãe a entrar em contato com eles. Neste estado de “contato bio-energético”, o fluxo de expressão da pulsação biofísica; a criança pode se perceber no bio-sistema (corpo) da mãe , como movimentos e como sensações, podendo ser compreendidos e satisfeitos como se os pertencesse.

A capacidade da mãe de estar em “contato” com a criança atravessa a própria pulsação plasmática, percebida como emoção no próprio corpo, depende da sua capacidade de suportar, sem medo, a força, onde a excitação com aquela criança se exprime durante o nascimento, e depois. Quem teve nos braços uma criança não esquecerá mais esta sensação.

O problema daqueles que assistem o nascimento:

Para W. Reich era essencial que os seus colaboradores tivessem esta capacidade de identificação vegetativa como principal instrumento para reconhecer a necessidade da mãe e da criança: ” O sentido orgânico (=identificação vegetativa) do contato, uma função do campo de energia de ambos ,mãe e criança, sobretudo ao especialista.

O contato orgânico (bio-energético) é elemento de experiência da emoção essencial na inter-relação entre a mãe e a criança, sobretudo no período pré-natal e, nos primeiros dias e semanas de vida. A sorte futura da criança depende disso. Parece ser o “core” do desenvolvimento emocional do recém-nascido. Sabemos muito pouco sobre isto.

Os resultados de recentes observações diretas da dupla mãe – filho pressupõe que é possível analisar rapidamente, no vídeo também, o que acontece na inter-relação recém-nascido – médico (obstetra, ginecologista, pediatra, etc ).Se colocarmos agora critérios objetivos para escolher aquele médico que possam auxiliar o “bio-sistema” mãe /recém-nascido durante e depois do parto, facilitando o desenvolvimento e a sua capacidade de auto-regulação da saúde. No futuro, esta pessoa terá habilidade de “identificação vegetativa” para poder seguir as mensagens não verbais da relação mãe/recém-nascido. Esta capacidade permanece muito valorizada até hoje e não é uma coisa que se procura nos ensinamentos nas escolas de especialização e nem universidades. Hoje se sabe que pessoas fortemente encouraçadas, que tiveram suas próprias emoções reprimidas, também tiveram uma ótima preparação universitária, não se comunicando ao nível da “identificação vegetativa” com a dupla mãe – recém – nascido e possam infringir, sem querer prejudicar o plasma vital da criança.

“Não temos ainda nenhuma idéia precisa sobre aquilo que é normal no esquema interativo entre a mãe e a criança. Não se pode reduzir o saber intuitivo de uma mãe a alguma coisa a aprender/conhecer. O andamento interativo se realiza através desta correspondência intuitiva e instintiva. O apoio emocional não vem de conselhos de especialistas mas de grupos informais de mulheres que vivem igual experiência. A mãe dispõe de uma natural capacidade de identificar-se com as crianças, e de se comunicar com ela, de um único modo correto entre ambos; e as crianças confiam naturalmente em suas mães. “Os especialistas devem aprender que as mães são sempre intuitivas ,o conselho para os especialistas em nascimento é de se envolver o menos possível nos afazeres da mãe”.

Esta transformação é a principal característica, segundo Silja Wendeslstadt, de seus grupos de massagem de bebês.

Massagem – Bebê:

A massagem–bebê bioenergética oferece aos pais a possibilidade de compreender e sustentar este carinhoso (e potente) processo de liberação da pulsação bio – energética; a qual, segundo Eva Reich, é o pré-requisito da saúde auto-regulada, presente e futura.

A massagem é parte de uma antiga tradição oriental, que conhece o profundo valor da ligação entre mãe-filho Eva Reich elaborando o pensamento de seu pai, que tinha descoberto no Ocidente, sua base científica; o valor da massagem–Bebê e a aplicação sem perigo no recém-nascido e também no prematuro. As pesquisas científicas é resultado de um grupo de recém-nascidos, massageados regularmente por suas mães, apresentaram um desenvolvimento neurológico significativamente melhor do que no grupo de controle não massageado.

O efeito da massagem – bebê:

A estimulação doce da massagem de Eva Reich, que deriva da vegetoterapia, (a vegetoterapia é uma psicoterapia corporal assim chamada por W.Reich porque incide sobre sistema nervoso vegetativo), faz fluir a energia através dos blocos musculares em direção à periferia (em direção ao mundo ). A pulsação energética – plasmática através da comunicação mãe e criança se harmoniza de tal modo que muitas mulheres com profundos problemas emocionais, podem ser tratadas da depressão pós – parto recebendo uma quantidade suficiente de massagens, antes, durante e após o nascimento do bebê.

O prazer funcional que se renova com a massagem harmoniza a ação do sistema neurovegetativo simpático – parassimpático e tem um efeito positivo sobre todas as funções do organismo, promovendo saúde. Basta pensar que os animais “fazem massagem”, os recém-nascidos são lambidos, e que os pequenos que não são lambidos morrem. Os recém-nascidos não acariciados, terão sua qualidade de sobrevivência gravemente comprometida.

A massagem é particularmente importante:

– Para bebês adotados e para seus novos pais para favorecer o vínculo.

– Para os bebês nascidos de cesariana, eles não receberam a forte estimulação cutânea do nascimento pela vagina.

– Para os bebês que não puderam ser amamentados, e que com a massagem recebem nutrimento energético.

– Para os bebês que as mães trabalham: o encontro regular e o intenso fluxo de conforto que se transmite durante a massagem dá a mãe e a criança alimento energético e proximidade.

– Para os bebês prematuros, o afeto transmitido pela massagem no recém nascidos é surpreendente no seu desenvolvimento.

As últimas pesquisas psicanalíticas confirmam a importância do bom contato com a pele para a sobrevivência do Ser e as graves conseqüências de sua falta.

A pele é um órgão do sentido muito amplo do corpo e muito importante para a sobrevivência do Ser. No início os bebês percebem e conhecem o mundo através da pele: o modo com o qual virão a ser tocados, e segurados nos braços e no início uma experiência tátil.

Todo o mundo das sensações se origina da pele elaborada pela mente. As sensações transformam-se em percepção, emoções e sentimentos. A pele protege, contém, limita e simultaneamente permite o contato com o outro, acolhe uma infinidade de estímulos e respostas. Assim no nascimento a pele é o órgão que filtra o mundo externo. Por este motivo a pele tem uma importância fundamental no final do nascimento. A psicologia infantil coloca o desenvolvimento da mente e do pensamento já no primeiro ano de vida, e a pele é o órgão principal, através do qual isto acontece.

Os grupos de massagens – bebês:

A experiência que descrevo aqui refere-se a um grupo de bebês massageados que Silja, reuniu em seu consultório particular .As mulheres já haviam feito a preparação para o parto com ela anteriormente, no enfoque bioenergético suave e se conheceram desde o primeiro mês de gravidez. Depois do parto, quando o bebê já com um ano e três meses, a mãe retorna por 3 ou 4 encontros, junto com seu marido com duração de uma manhã inteira. A massagem deve durar de 10 a 20 minutos, a segunda exigência, é a resposta da criança e o seu prazer que guia os movimentos e a duração.

No início dos encontros, existe um trabalho com as mulheres de muito tempo de trocas de experiências para a troca de experiências Normalmente, o grupo é composto em média por 6 mulheres com seus bebês e quase sempre tem 1 ou 2 pais. Quando querem iniciar a massagem, as mães podem tirar a roupa de seus bebês, mas se os bebês choram podem ficar vestidos. A massagem toca, sobretudo, a “aura” dos bebês e faz efeito também em seus hábitos. As mães, nas suas sessões se deitam em colchões , se dispondo em semicírculos ,enquanto a pessoa que conduz o grupo mostra em uma boneca massageando- a, elas fazem a mesma coisa em seus filhos. O toque é suave como sopro/vento ou como diz Eva Reich, a maneira como toca é (como se fosse uma borboleta). As mãos se movem da testa em direção aos pés (para descarregar as tensões em direção as partes baixas do corpo, onde possam ser toleradas e descarregadas), a massagem deve ser feita do centro do corpo para a periferia.

Em caso de stress, a energia se encontra no centro do corpo e graças às estimulações, obrigam fluir para a periferia; através da pele, pelas mãos da mãe. Um campo de energia vibrante se cria entre as mãos e a pele se estendendo por todo o corpo. É uma experiência que produz energia para ambos, durante o qual se entrega a uma profunda comunicação.

Quando a energia começa a fluir a pele do bebê se torna rosa e pulsante de um doce calor, provocando contrações no bebê e também na mãe.

Apreendida a fácil técnica de Eva Reich e aprofundando o seu significado, se pode esquece-la: tudo se transforma então em uma dança das mães com o corpo do bebê e lentamente todo o corpo da mãe participa de um movimento rítmico, acompanhado de um canto expontâneo.

Observa-se que freqüentemente no início as mãos da mãe são pouco hábeis e cheia de temores e não agradam muito o bebê, mas rapidamente começa o verdadeiro “contato” e com um pouco de coragem, as mãos e todo o corpo da mãe se sentirão soltos. Na última sessão parece que as mãos vibram sobre o corpo do bebê como um instrumento; o bebê parece ser o instrumento e maestro ao mesmo tempo e o prazer que ele sente é visível, com as mãos da mãe em seu corpo.

Depois do bebê massageado, a mãe ainda permanece por muito tempo ligada a esta experiência com as outras mães e seus filhos. O fervor com o qual se comunicam entre eles se percebe o quão importante é: como uma “identificação vegetativa”. Muitas vezes se verifica o que chamamos de um “contato bio-energético do grupo”, é como se os campos de energia das mães e dos bebês se expandissem e tornando-se muito luminoso, quase pulsante. O quarto parece transformar-se em um macio útero de energia que envolve tudo. Se sente que é um momento de troca particularmente intenso. Os bebês não choram mas escutam atentos, maravilhados e respiram profundamente. Seus aspectos são róseos, os olhos brilham e se vê o mesmo calor visível na mãe em seus movimentos. Juntamente com o som de sua voz emite uma vibração de bem estar e de amor. Quando nestes momentos alguém entra pode sentir como se estivesse em “outro mundo”, esperando se envolver neste clima calmo e feliz .

Período Sensível:

Devemos procurar observar e aprofundar considerando o “período sensível” depois do nascimento: um momento único no qual se desenvolve uma forte ligação de reciprocidade, “privilegiada” entre recém-nascido e seus pais. Nesta fase, a família tem uma influência profunda. A antiga tradição indiana sabe bem disto; as mulheres há milênio recebem massagens diariamente e por muitas semanas depois do nascimento.

Nos grupos de preparação ao parto, propõe-se normalmente que o marido faça massagem regularmente em suas mulheres durante a gravides, e durante o esforço e no pós-parto. Esta prática deveria se tornar uma regra geral em obstetrícia, porque as mães deverão ser tocadas com doçura durante o parto, além disso, depois tocarão os recém-nascidos com mãos hábeis, e um recém-nascido tocado com doçura fará o mesmo com seus filhos.

Eva Reich não somente insiste em sublinhar em seus workshops, que a mãe depois do nascimento não deve se separar em nenhum momento do recém-nascido, mas adverte que, a separação é um “crime” contra a vida dos bebês e alerta para as graves conseqüências de um tratamento insensível das mães e bebês, antes, durante e depois do parto, porque a regra bio-energética é única , principalmente naqueles momentos. Tal ligação se desenvolve na mãe a partir de seu saber instintivo e na criança, a energia para seu crescimento. Este contato se reforça com a massagem. “A criança é acariciada, como uma pequena planta que, tem muitas possibilidades de se desenvolver, de crescer e de confiar em si mesmo na adversidade inevitável da vida”.

Neste período pouco considerado, este processo é profundamente emotivo entre o recém-nascido e a mãe. Uma criança docemente abraçada já no nascimento, aprende para sempre que é desejada e quando adulto, será terno no abraçar. Por isso é importante que o obstetra ensine a massagem-bebê no primeiro dia de vida e que os grupos de bebês massagiados iniciem o mais rápido possível após o nascimento.

A massagem da mãe – “Maternando as mães”

Os sentimentos fortes e contrastantes, de ternura e medo, que inundam o corpo da mãe durante e após o nascimento, possam ser assim potentes, para superar pouco a pouco as resistências da mãe que se opõe a isto. A compreensão, expressa-se também com um toque empático da parte de quem esta próximo, podendo ajuda-la a superar o trauma de aceitar a criança e a sensação de desordem que traz consigo, todo este potencial biológico com o qual o recém-nascido e a mãe auto-regulam no contato; deste modo poderão se desenvolver em toda a sua plasticidade e profundidade.

Para a mãe, porém fazer massagem – Bebê quando ainda está cansada por causa do parto, pode ser trabalhoso, sobretudo se as primeiras tentativas são frustrantes e ela esta insegura. Neste caso, a mãe mesmo recebendo a massagem-bebê pode fazer fluir de novo a energia, junto com um senso de bem-estar. A mãe vem tranqüilizar sobre o fato que não é possível ter sempre um bom contato com os bebês, mas o que é importante é que possamos reconhecer quando um bom contato se estabelece com as crianças, e que eles possam reconhecer quando perderam “contato” e poderem recorrer pedindo ajuda.

Na cidade na qual Eva Reich tem ensinado, instituiu-se um centro de “Pronto Socorro emocional” onde a mãe (como também os pais) com seus filhos, quando, o contato bioenergético entre eles é interrompido; recebem a necessária ajuda com “o método bioenergético suave” principalmente com a massagem bioenergética do nascimento. Deste modo, se previne ou interrompe rapidamente um “círculo vicioso” como efeito negativo grave para o desenvolvimento das crianças. É relativamente fácil reconstruir um círculo do equilíbrio natural bio-emotivo. Quando a mãe está sobrecarregada e o bebê chora, ela fica nervosa, o pequeno chora mais e ela cada vez fica mais nervosa.

Durante o estado de abertura da mãe no período sensível, parece que acontece qualquer coisa de particular quando ela recebe intenso contato rítmico e relaxante da massagem bioenergética. O prazer e o calor do contato estimulado, em todas as células da mãe, a livre pulsação bio-energética auto – expressiva. Parece que o esquema afetivo-motor, bloqueado no passado, (talvez na primeira infância? Talvez no momento do nascimento?) possam agora, na troca com o próprio recém-nascido, ser estimulado a dissolver e desenvolver-se. Como se a natureza quisesse, neste momento particular, colocar à disposição da dupla mãe-bebê, todo seu potencial de auto-cura; é por isto, que tal período se situa entre a cura e o sagrado.

A Espiritualidade do contato:

Durante a massagem bioenergética pós-parto, quando a energia entre a mãe e o bebê flui e pulsa entre ambos, em toda a sua profundidade. Eles podem viver este “glow and flow” e o amor vibrante irradia sobre o outro; estamos diante de um momento sagrado, no qual o social e o biológico se encontram.

Duas personalidades diferentes como Wilhelm Reich e Frédérick Leboyer, em épocas diferentes, observaram e viram nos recém–nascidos satisfeitos, na sua cumplicidade com o sorriso do BUDA: uma graça infinita que silenciosamente irradia, a qual esperamos por toda a vida.

Se uma fraternidade internacional entre os seres humanos jamais poderá ser fundamentada sobre uma base estável, igual base natural, para que haja um funcionamento internacional cooperativo da sociedade; poderá ser somente através do princípio do recém- nascido; A herança bio-energética que cada recém-nascido trás consigo: Um sistema energético enormemente produtivo e adaptado que dão a eles a fonte de contato com o ambiente, e o modelo segundo as próprias necessidades. A missão da base da educação deveria ser: remover cada obstáculo que se opões a esta produtividade e plasticidade dessa energia biológica naturalmente concedida.

Além disso, entramos em contato com recém-nascidos, geralmente sentimos como eles emanam qualquer coisa que pode nos restituir um mundo mais habitável: eles são capazes de um jeito surpreendentemente transmitir amor e alegria a quem os sabe escutá-los.

Talvez possamos finalmente iniciar um conhecimento, uma percepção e uma compreensão do grande potencial de energia criativa que existe dentro de nós e a proteger de nossas couraças os “BEBÊS DO FUTURO”

Algumas Reflexões: Mariangela G. Donice

“Analisar meu próprio processo, repensá-lo, revivê-lo e realimentá-lo é uma rica experiência de aprendizagem; quando consigo ligar o que li com o que vivi é que realmente aprendi alguma coisa .Quando aprendo assim, posso usa o conhecimento e aplicá-lo em novas situações.” Mariangela G. Donice

O desenvolvimento de um fluxo amoroso: emoção, afeto, sentimento, pensamento.

Sándor – (1982)

O trabalho do Dr. Sándor também se harmoniza com o pensar de Eva Reich, expresso neste poema de Rudof Steiner:

No coração tece o sentir

Na cabeça brilha o pensar

Nos membros vigora o querer

Brilhocente

Tecer vigorante

Vigor brilhante

Isto é o homem.

Na emoção se manifestam os mais intensos os impulsos do inconsciente. É o vir-à-tona de explosões mais primárias. E-moção: movimento que sai de si em direção a… Numa pessoa a emoção e o afeto são modalidades do sentir.

No afeto são mobilizadas as ondulações dos humores. A emoção com somatização é traduzida por afeto. São bem conhecidas as manifestações de rubor; nó na garganta; taquicardia e sudorese, entre tantas outras. Diferentes reações viscerais podem se apresentar, traduzindo a emoção mais primária numa história de manifestações corporais.

– O sentir, para Jung, traz a consciência englobando a emoção e o afeto.

– A consistência da emoção e do afeto aumenta com a tomada de consciência.

– O pensar pode trazer enaltecimento para o sentimento. Assim, ocorre uma manifestação integrada em diferentes níveis, desenvolvendo um fluxo amoroso.

Durante a aplicação dos toques:

É essencial, dizia o Dr. Sándor, que se deixe um espaço em aberto, não projetando expectativas sobre a outra pessoa. Ficaram inesquecíveis as suas palavras:

– “Não queiram nada…”

– “Apenas observem o que vai ocorrer…”

– “Deixe surgir no momento a idéia do toque, sem planejamento prévio, convidar a pessoa a se soltar com consciência e aceitação, é um bom caminho que vai criando as condições para que o trabalho possa se desenvolver. Também os movimentos espontâneos, que surgem durante o contato, devem ser sempre valorizados”.

O Dr. José Ângelo Gaiarsa criou certa vez uma imagem que reflete esse mesmo “Espaço sem expectativas”: “…o encontro entre o cliente e o terapeuta deve ser como dois aviões de esquadrilha voando em paralelo, onde o cliente, um pouco mais á frente, vai criando os movimentos e a direção em “Céu aberto”. O terapeuta segue acompanhando um pouco atrás e os dois formam um só movimento no “Espaço”.

Novamente Sándor falando:

– “Sempre é aconselhável o uso de técnicas mais simples no início de um contato”.

– Dr. Sándor sorria, ao dizer que as pessoas precisavam primeiro ser “amaciadas”, para só então passarem a receber os toques mais sutis, quando já tivessem desenvolvido a confiança e uma sensibilidade mais aprimorada. Assim, para o início dos trabalhos, eram indicados os giros com as grandes articulações, as seqüências dos trabalhos mais vigorosos, além de outras combinações, entre as quais os pequenos estiramentos dos braços. Sempre foi dada ênfase aos toques nos pés usando o método da “Calatonia” como sendo uma abordagem que poderia ser usada desde o primeiro contato, mesmo com quem nunca tivesse tido experiência com trabalhos corporais. A sutileza de apenas se tocar os pés afasta o esquema de “defesas”, naturalmente acionado quando a pessoa não está ainda preparada para outros toques, além do fato de ser um trabalho de plena abrangência, que chega a nível de profundidade de difícil alcance por meio de outros caminhos.

“COMO REGRA GERAL A PRESENÇA DO “BOM SENSO” FAZ PARTE DOS TRABALHOS, SEMPRE LEVANDO EM CONSIDERAÇÃO AS CONDIÇÕES FÍSICAS E PSÍQUICAS DA PESSOA NO MOMENTO.”

“AS CRIANÇAS NÃO SE DEIXAM ENGANAR POR PALAVRAS… PELO TOQUE ELAS SENTEM SE PODEM CONFIAR OU NÃO… REAGEM ÀS MÍNIMAS OSCILAÇÕES DE QUEM AS TOCA…”

“AS CRIANÇAS SÃO UM EXCELENTE TESTE PARA SABER SE O TOQUE É BOM… SE O TERAPEUTA É BOM…”

“O PERÍODO DE GRAVIDEZ TAMBÉM REQUER UMA ATENÇÃO ESPECIAL NA SELEÇÃO DOS TOQUES”.

Os toques podem afetar o equilíbrio e a organização postural

Muitos trabalhos alteram a organização e o equilíbrio postural, podendo acarretar manifestações neurovegetativas, como tontura ou enjôo. Convém sempre estar atento para amparar e auxiliar a pessoa a se deitar caso haja necessidade. A solução do corpo propicia condições para um reajuste postural mais adequado para o momento ao lado da mobilização de um rebaixamento das defesas da consciência, que facilita o vir-à-tona de conteúdos reprimidos. A soltura das tensões de uma postura fixa promove condições para expansão e crescimento. Para auxiliar a pessoa a ter condições de se soltar sem medo, convém orientá-la com antecedência e informar que não vai se machucar e será amparada.

A importância do contato com a natureza para fortalecer o corpo e a alma

O contato com a natureza para a conquista do equilíbrio tanto do corpo como da alma foi sempre enfatizado pelo Dr. Sándor. Ele falava com entusiasmo, que subir montanhas era um excelente meio para combater depressão, pessoalmente acredito que banhos de cachoeira também ajudem a combater a depressão, como também trabalhar na terra.

A importância da qualidade do toque

A segurança do gesto que se manifesta no “tocar” é essencial para transmitir ao paciente confiança e criar condições para que ele se solte durante o trabalho corporal. O desenvolvimento da sensibilidade das mãos e o aprimoramento do toque, assim como a qualidade e alcance do olhar, vão interferir diretamente no efeito dos trabalhos. O “diálogo” por meio do toque vai aumentando de sintonia após os primeiros contatos, até que se acaba estabelecendo um fluxo natural. A aproximação deve sempre começar com cautela, afastando qualquer passo invasivo e criando condições de conhecer melhor as mensagens que o corpo do paciente vai manifestando….

“ a sensibilidade das mãos e a ondulação da voz interferem no contato terapêutico.”

Influência da voz do terapeuta

O tom de voz, o ritmo e a cadência são importantes canais de comunicação, interferindo no momento em que são feitas as orientações dos toques e durante todo tempo do encontro terapêutico.

Antes do toque, o tom da voz do terapeuta já pode começar a criar um clima que favoreça os trabalhos.

Após o toque, a voz do terapeuta orientando o paciente para observar as sensações cria um fluxo de continuidade no contato. O tom e o ritmo dos sons são também “toques.” É conhecido o “poder da voz” na mobilização de sensações e de sentimentos.

A importância da observação atenta durante a aplicação dos toques

O corpo do paciente costuma apresentar alterações durante os toques, olhe, escute, sinta, respire, pense, deixe que suas mãos falem. Pode-se perceber, muitas vezes, mínimas reações vegetativas que aparecem durante ou após os toques e que podem ser trabalhadas também como sinalizações, auxiliando na compreensão do que está ocorrendo. Convém estar atento para o fato de que o relaxamento traz em si o benefício de rebaixar “as fiscalizações do nível consciente”, facilitando a conscientização dos conteúdos reprimidos.

Emoções Vegetativas

Imagine o organismo como um grande animal unicelular, como, por exemplo, uma ameba ou um metazoário. Mantenha essa imagem simplificada em sua mente quando pensar em você mesmo, suas emoções e reações. Ao pensar sobre todos os diferentes processos que ocorrem dentro de você, o processo metabólico, o vasomotor, o cardiovascular, o respiratório, etc., saiba que, embora você seja composto por processos mais complexos, fundamentalmente eles não são diferentes da ordem básica da vida vegetativa. Como cada célula que pulsa em nosso corpo, somos seres pulsantes.

E essa pulsação é o movimento alternado de contração e expansão que se pode encontrar em todos os lugares em que existe um sopro de vida. É dessa forma que a água se move nos oceanos e nos rios; em um fluxo contínuo que formam ondas e curvas, continuamente porque não o vemos interromper – apesar de haver uma constante mudança de maré, para dentro e para fora, uma precipitação de fluidos como a corrente de nosso sangue, um impulso interno que mantém seu ritmo constante, como também as batidas de nosso coração.

Se você está consciente da vida vegetativa dentro de você, pode sentir esses movimentos sutis, como ondas suaves ou fortes. Há as correntes do plasma que conduzem suas sensações até sua mente. Através dessas ondas, você pode encontrar seu ritmo, e o ritmo que você ousa sentir é sua identidade. E se você não consegue reconhecer esses movimentos através de sua mente consciente, é porque eles não são únicos para você, mas universais –eles são nossas emoções vegetativas.

O Sistema Nervoso Vegetativo

Animais unicelulares que não desenvolveram um sistema nervoso ainda assim, possuem um sistema de coordenação que conduz impulsos do núcleo até a periferia, a membrana, e de volta para o centro. Essa transmissão não é neural, mas tem uma origem bio-elétrica, já que os impulsos são conduzidos através das formações de ondas das correntes do plasma.

“Nossos sentimentos e nossos corpos são como água fluindo para água. Nós aprendemos a nadar dentro das energias dos sentidos(do corpo)”TARTHANG TULKU

Mesmo nos estágios mais primitivos de desenvolvimento, o corpo do animal possui um aparato central para a produção de bioeletricidade. No metazoário, esse aparato consiste dos assim chamados gânglios vegetativos, conglomerados de células nervosas que são dispostas em intervalos regulares e são conectadas por finos ligamentos a todos os órgãos e suas partes. Eles regulam as funções involuntárias da vida e são os órgãos dos sentimentos e sensações vegetativas. Eles formam uma unidade conjuntiva, um assim chamado “syncitium” e se dividem ao mesmo tempo em dois grupos com uma função oposta: simpático e parasimpático (citação extraída de Wilhelm Reich: “A Função do Orgasmo”.) O grupo simpático tem por função lidar com as reações de sobrevivência provocadas pelo ambiente externo, como por exemplo, no caso de ataque ou fuga ou em qualquer situação de emergência . O grupo parasimpático tem por função manter constantes os processos internos de sobrevivência, o batimento cardíaco e o metabolismo basal.

O processo global de sobrevivência é produzido por uma interação constante entre esses dois grupos, que trabalham reciprocamente; um por vez Isso acontece não apenas porque eles tem diferentes funções, mas porque a atividade parassimpática tem uma relação específica com os subprodutos do simpático. Ela tem também por função dissolver internamente as impulsões e impressões causadas pelas reações aos estímulos externos. Assim, dentro do processo parasimpático pode ocorrer uma extensão do processo metabólico, depois do evento, a fim de descarregar o excesso simpático.

“Se você expressar o que está dentro de você,

“Então o que está dentro de você

“Será a sua salvação.

“Se você não expressar o que está dentro de você,

“Irá destruí-lo.”

– Em Gnostic Gospels – De Elaine Pages, Random House,1979.

O centro da regulação vegetativa

No animal unicelular esse processo é espontaneamente realizado pelos movimentos pulsatórios da célula, que libera uma energia excessiva através de expansões e contrações alternadas. Na expansão, a célula assimila fluído e nutrição da água na contração, a célula descarrega fluido e resíduos. Essa atividade rítmica e pulsatória, que é o estado geral de relaxamento e função parassimpática, permite à célula eliminar constantemente elementos perturbadores, ao mesmo tempo em que gera energia para vitalizar funcionalmente o organismo. A regulação vegetativa é produzida pelas lentas ondas de correntes plamáticas que estão curando o organismo de dois modos:

1. Na descarga que se segue à fase de recuperação posterior ao evento estressante quando os subprodutos do stress são eliminados;

2. Na fase de reabilitação, que se segue consequentemente para vitalizar e recarregar a célula.

No organismo multicelular, são os órgãos digestivos – os intestinos – que estão a cargo desses procedimentos pós-afetivo. De modo similar ao mecanismo de regulação pulsatório do animal unicelular, os intestinos geram correntes de plasma através de seus movimentos de contração, a peristalse. Sob condições favoráveis, a atividade peristáltica é capaz de reabsorver quaisquer restos ou resíduos do sistema e estimular os órgãos secretores e excretores a promover a descarga final.

Esse processo de limpeza é um fenômeno biológico, que é necessário para o organismo, para que ele possa regular e estabilizar o equilíbrio vegetativo no dia-a-dia. Entretanto, essa regulação só pode ocorrer quando não há nenhuma tensão interna impedindo as correntes de plasma nas paredes intestinais.

Se esse procedimento pós-afetivo vier acompanhado de ansiedade e contração, só vai se dar uma recuperação artificial e não haverá reabilitação. Então, a função parassimpática do centro de regulação afetiva não pode ocorrer, os subprodutos de stress permanecem e o ritmo biológico é interrompido. Todas as vezes que uma condição pós-afetiva não consegue promover descarga, reabilitação e recarga suficientes, o organismo perde parte de sua flexibilidade. Daí, as correntes de plasma diminuem de ritmo e nós perdemos nossas emoções.

Minha crença é que o sangue e a carne sejam mais sábios do que o intelecto. O inconsciente do corpo é o lugar onde a vida borbulha em nós. É como nos sabemos que estamos vivos, vivos nas profundezas de nossas almas, e em contato com as vívidas extensões do cosmo. – D. H. Lawrence

Tocar é uma Resposta Natural de Amor e Excitação. 

É impossível pensar em amar alguém sem querer estar perto e de tempo em tempo, tocá-lo.

Nós como terapeutas, nos diz Robert Hilton – Ph. D. – Analista Bioenergético, freqüentemente ouvimos a queixa: -“Ele diz que me ama, mas nunca me toca.” Isto não combina. Na verdade há um acréscimo de energia quando você ama alguém há um acréscimo de energia no corpo que te move em direção á expressão. Segundo Dr. Stephen Sinatra, Cardiologista e Analista Bioenergético, os braços do embrião se desenvolvem a partir de finos brotos ligados ao coração.

Quando você ama alguém você quer abraçar. Isso é verdadeiro na paixão, mas também quando você ama alguém que está magoado; nossa inclinação natural é tocar, beijar o que está ferido para faze-lo sarar. Nós queremos segurar aqueles que amamos, que estão feridos.

Tocar também é natural quando estamos compartilhando uma excitação mútua. Para Robert Hilton, amor e excitação nos movem naturalmente para expressar o acréscimo de energia através do contato físico.

“… apesar de nossas diferenças, somos todos semelhantes. Além de identidade e desejos, existe um núcleo comum do eu – uma humanidade essencial cuja natureza é paz, e cuja expressão é pensamento, e cuja ação é amor incondicional. Quando nos identificamos com esse núcleo interno, respeitando-o e honrando-o nos outros e em nós mesmos, experienciamos a cura em todas as áreas da vida”. – Joan Borysenko, em Minding the Body, Mending the Mind.

Tradução, notas e comentários de Mariangela G. Donice 
E-mail: mgdonice@terra.com.br – Psicóloga com especialização em Psicoprofilaxia Obstétrica, pelo Instituto Sedes Sapientiae; certificada e supervisora em Análise Bioenergética pelo IABSP – Instituto de Análise Bioenergética São Paulo, membro executivo deste Instituto, filiado ao “The International Institute for Bioenergetic Analysis-N.Y-IIBA”.


Bibliografia:

(1) A Espiritualidade do Contato-Silja Wendelstadt da Revista Internacional ANIMA E CORPO de psicologia somática – (outono/97- Milão).

(2) Curso de Especialização em Psicoprofilaxia Obstétrica-Sedes Sapientiae /1980.

(3) The Active Birth Partners – Janet Balaska.

(4) Toques Sutis -Uma experiência de vida com o trabalho de PETHÖ SÁNDOR – Summus.

(5) Material do Instituto de Bio-Dinâmica – Gerda Boyesen.

(6) O Toque em Psicoterapia – Robert Hilton-, Ph. D. International Trainer of IIBA.

(7) O Despertar do Tigre – Curando o Trauma – Peter A. Levine – Summus Editora.

“O Corpo em Jung”(1) – Rosa Farah

(Revista “Hermes” no. 1)

Ainda hoje, mesmo entre terapeutas junguianos, podemos por vezes observar algumas reações de surpresa ao mencionarmos a aplicação das técnicas de trabalho corporal associadas à Psicologia Analítica de C.G. Jung. Tal fato deve-se apenas em parte à maior divulgação em nosso meio das abordagens corporais derivadas do trabalho de Reich e seus seguidores (a Bioenergética, por exemplo), ou mesmo das chamadas formas “alternativas” de intervenção terapêutica.

Embora existam razões históricas mais complexas para que os processos corporais permanecessem até então aparentemente à parte das considerações dos psicoterapeutas não é nosso objetivo aqui detalhar tais razões(2). Vamos mencionar apenas como ilustração destes fatores a polêmica estabelecida – dentro do próprio meio psicanalítico – pelas contestações apresentadas por Reich: Conforme sabemos, suas críticas foram dirigidas não apenas a alguns dos postulados teóricos e metodológicos da Psicanálise. As próprias estruturas de poder subjacentes às instituições acadêmico-científicas também foram alvo direto de sua análise. A partir daí, o posicionamento científico de Reich passou a ser conhecido de forma inseparavelmente associada à sua atitude contestadora.

A polêmica resultante da repercussão de suas propostas contribuiu em grande parte para Reich passar à História da Psicologia como sendo um contestador pioneiro, especialmente no assunto referente à consideração dos processos corporais na busca de compreensão dos dinamismos psicológicos.

Não se pretende aqui entrar em detalhes sobre os aspectos inovadores de sua obra, embora o tema seja de extremo interesse e valia para uma maior compreensão da evolução da Psicologia ocidental. Nossa intenção inicial é chamar a atenção para o fato de a polêmica envolvendo a história do corpo na Psicologia não ter se originado com as proposições de Reich e seus seguidores.

Em “Tocar, Terapia do Corpo e Psicologia Profunda”, McNeely(3), terapeuta junguiana, apresenta um esclarecedor apanhado histórico sobre aqueles que considera como pioneiros da somatoterapia(4).

“Considero pioneiros da somatoterapia Freud, Sandor Ferenczi, Alfred Adler, Groddeck, Wilhelm Reich e Jung. Eles foram naturalmente influenciados por outros: Nietzsche, Kretschmer, Krafft-Ebing, Schiller, antropólogos, etc.

Começo por estes seis terapeutas porque sua principal preocupação com relação ao corpo foi a distribuição da energia (conforme se vê principalmente na teoria dos impulsos). Descobre-se que nesta matéria eles estiveram juntos, discordaram e, por fim, se separaram.” (5)

Estamos destacando aqui um elemento fundamental para a compreensão sobre a evolução da atenção dada ao corpo na história da Psicologia ocidental: as dificuldades para o equacionamento da relação corpo-mente não provêm apenas da complexidade inerente aos processos psicofísicos envolvidos. Se mesmo em nossos dias nos defrontamos ainda com muitos obstáculos – fruto de preconceitos determinados ainda pelo espírito de nossa época – para o desenvolvimento de certos níveis do nosso trabalho, o que não estaria então ocorrendo naqueles tempos e lugares, no âmbito acadêmico onde viveram e trabalharam os pioneiros da Psicologia Profunda? Vejamos o pensamento de McNeely a respeito.

“A resistência da sociedade para com aquilo que se revelava foi impressionante. Freud e seus colegas estavam descobrindo que a moralidade e a neurose relacionavam-se. De algum modo, a energia da unidade mente-corpo era capaz de direcionar-se mal, transformando-se em sintomas físicos, dizendo realmente que um corpo doente ou perturbado indica uma psique perturbada que necessita de cura. Esta não era uma mensagem popular.” (6)

Não nos parece necessário detalhar neste momento a apresentação de elementos demonstrativos do aspecto polêmico da consideração do corpo na Psicologia.

Esses breves comentários têm por finalidade apenas situar e destacar o fato que, em época idêntica à mencionada por McNeely – e portanto em meio ao mesmo clima descrito -, C. G. Jung ter sido um dos pioneiros a abrir caminhos para uma nova forma de abordagem da questão da integração corpo-mente. Cada pesquisador de então, de forma pessoal, desenvolvia não apenas uma teoria, pois, conforme palavras do próprio Jung,

“Todo psicoterapeuta não só tem o seu método: ele próprio é esse método.” (7)

A maneira escolhida por Jung para expressar suas considerações sobre a questão do paralelismo psicofísico, parece-nos, foi intencionalmente parcimoniosa. Talvez mesmo cautelosa, especialmente quando perguntado diretamente a respeito, tal como consta nos relatos da primeira e segunda conferências que proferiu em Londres, 1935, transcritas em Fundamentos de Psicologia Analítica (8).

Tal atitude, embora possa parecer contraditória com outros momentos ousados de sua obra, devia-se muito mais ao fato de ser ele um homem consciente do risco representado pela atitude de pôr-se em confronto direto com a forma de pensar da época. Em suas memórias, a certa altura, diz textualmente:

“Percebi que é inútil falar aos outros sobre coisas que não sabem. Compreendi que uma idéia nova, isto é, um aspecto inusitado das coisas só se afirma pelos fatos.” (9)

Parece-nos ter Jung escolhido um outro caminho, em lugar de participar da polêmica reinante a respeito do tema corpo: a observação e registro dos fatos tal como se lhes apresentavam. E então, quando assim lhe foi possível apresentar suas idéias – isto é, corroboradas por demonstrações fatuais – não deixou de apresentá-las de modo assertivo.

A obra de Jung poderá surpreender o leitor disposto a localizar suas inúmeras menções à correlações psicofísicas. Porém mais esclarecedor do que qualquer argumento aqui apresentado será a própria constatação desse fato, por meio de uma consulta direta à fonte.

Sobre o material escolhido para a pesquisa:

Para realizar esta pequena pesquisa procuramos selecionar, na obra de Jung, algum material adequado ao objetivo expresso no título deste artigo: ilustrar a maneira direta e explícita com que este autor faz referências a processos corporais, mencionando-os como componentes intrinsecamente interligados aos dinamismos psíquicos.

Localizar e destacar tais referências parece-nos uma maneira bastante clara e objetiva de ilustrar um aspecto de fundamental interesse na Psicologia junguiana: o fato de que a maneira utilizada por Jung para mencionar o dado corporal, já deixava implícita a possibilidade de vir a se desenvolver uma

forma “junguiana” de abordagem do corpo em Psicologia. Um texto em especial foi então escolhido: Trata-se da edição das conhecidas “Conferências de Tavistock”, uma espécie de introdução, didaticamente organizada, ao pensamento de Jung.

Esta obra, conforme já mencionamos, compõe-se do relato de cinco conferências proferidas por Jung em Londres em 1935. Na edição brasileira, aparece sob o título Fundamentos de Psicologia Analítica (10).

Uma das razões motivadoras de nossa escolha por esse texto é o fato de, mesmo sendo dirigida a psicoterapeutas, a apresentação da Psicologia Analítica ser ali realizada em termos introdutórios. Assim, os principais conceitos e idéias de Jung são expressos de forma abrangente e clara, sem perder a autenticidade garantida pelo fato ser o próprio autor quem os expõe.

Procedimento utilizado:

A prática adotada em nossa pesquisa foi a seguinte: elaboramos um esquema referente a cada conferência, para ser utilizado como uma espécie de roteiro de leitura. Esse esquema colocou em destaque os principais conceitos e idéias apresentados e/ou comentados por Jung ao longo de suas falas. Na seqüência, destacamos os trechos correspondentes, em cada parágrafo do texto, aos momentos em que o autor expressou algum tipo de relação ou paralelo entre os processos psicofísicos.

Foi possível assim observar diferentes níveis ou tipos de menções ao corpo (e/ou seus processos) sendo expressas nas falas de Jung: em alguns momentos trata-se literalmente de uma relação formulada pelo autor, no real sentido do termo. Em outros, consiste numa hipótese, uma simples menção ao corpo ou,

ainda, uma exemplificação de algum processo ou fenômeno corporal. Optamos por incluir todos os tópicos voltados a nossa finalidade – destacar menções ao dado corporal -, sem nos preocuparmos em discriminar, generalizar ou classificar o tipo de consideração feita em cada momento.

Citações ilustrativas sobre os dados coletados:

Antes de passarmos às citações desejamos deixar clara a idéia de que estas ilustrações não pretendem tornar prescindível a leitura (ou releitura) do texto integral. Ao contrário, esperamos que esta apresentação sirva de estímulo à sua consulta do original. Porém existe uma razão para adotarmos esta forma – a citação – e não apenas a menção aos parágrafos e trechos pertinentes: a visão conjunta dos textos selecionados fornecerá ao leitor, em nossa forma de entender, uma percepção diferenciada dos elementos assim destacados no pensamento de Jung.

1. Falando sobre a relação consciente <–> inconsciente (11):

“A consciência é sobretudo o produto da percepção e orientação no mundo externo, que provavelmente se localiza no cérebro e sua origem seria ectodérmica. No tempo de nossos ancestrais essa mesma consciência derivaria de um relacionamento sensorial da pele com o mundo exterior. É bem possível que a consciência, derivada dessa localização cerebral, retenha tais qualidades de sensação e orientação.” (12) # 14

2. Ao falar sobre o ego e sua relação com a consciência:

“E o que seria o ego?

É um dado complexo formado primeiramente por uma percepção geral de nosso corpo e existência e, a seguir, pelos registros de nossa memória.(…) Esses dois fatores são os principais componentes do ego, que nos possibilitam considerá-lo como um complexo de fatos psíquicos. A força de atração desse

complexo é poderosa como a de um imã: é ele que atrai os conteúdos do inconsciente, daquela região obscura sobre a qual nada se conhece. Ele também chama a si impressões do exterior que se tornam conscientes ao seu contato. Caso não haja este contato, tais impressões permanecerãoinconscientes.” # 18

3. Diferenciando afeto e sentimento:

“O problema está apenas numa questão de grau. Se houver um valor obsessivamente forte, sua tendência é tornar-se uma emoção num dado momento, ou seja, quando atingir a intensidade suficiente para causar uma enervação fisiológica. Todo processo mental provavelmente causa ligeiras enervações deste tipo, e são realmente tão pequenas que não há meios de demonstrá-las(13).

Existe, entretanto, um método bastante sensível de registrar as emoções em suas manifestações fisiológicas; trata-se do efeito psicogalvânico(14). Baseia-se na diminuição da resistência elétrica da pele sob influência emocional, o que não se dá sob influência do sentimento.” (15) # 48

4. Falando a respeito da relação corpo-mente:

“A relação corpo-mente constitui um problema extremamente difícil. Pela teoria de James-Lange, o afeto é resultado de alteração fisiológica. A pergunta: Corpo ou psique é fator preponderante? sempre será respondida segundo diferenças temperamentais. Aqueles que por temperamento preferem a teoria da supremacia do corpo afirmarão que os processos mentais são epifenômenos da química fisiológica. Os que acreditam mais no espírito adotarão a tese contrária: o corpo é apêndice da mente e a causalidade reside no espírito. A questão tem aspectos filosóficos e por não ser filósofo não posso arrogar a mim a decisão. Tudo o que se pode observar empiricamente é que processos do corpo e processos mentais desenrolam-se simultaneamente e de maneira totalmente misteriosa para nós. É por causa de nossa cabeça lamentável que não podemos conceber corpo e psique como sendo uma única coisa.

A Física moderna está sujeita à mesma dificuldade: atentemos para o que acontece com a luz! Comporta-se como se fosse composta de oscilações e ainda formada por corpúsculos. Foi necessário uma fórmula matemática muito complexa, cujo autor é M. de Broglie, para auxiliar a mente humana a conceber a possibilidade de corpúsculos e oscilações serem dois fenômenos que formam uma única e mesma realidade(16). É impossível pensar isso, mas somos obrigados a admiti-lo como postulado.

“Do mesmo modo o chamado paralelismo psicofísico forma um outro problema insolúvel. Tome-se por exemplo o caso da febre tifóide e suas contaminações psíquicas; se os fatores psíquicos forem confundidos com uma causalidade atingiríamos conclusões absurdas. O máximo que se pode afirmar é a existência de certas condições fisiológicas que são claramente produzidas por doenças mentais, e outras que não são causadas, porém meramente acompanhadas de processos psíquicos. Corpo e psique são os dois aspectos do ser vivo, e isso é tudo o que sabemos.

Assim prefiro afirmar que os dois elementos agem simultaneamente, de forma milagrosa, e é melhor deixarmos as coisas assim, pois não podemos imaginá-las juntas. Para meu próprio uso cunhei um termo que ilustra essa existência simultânea; penso que existe um princípio particular de sincronicidade(17) ativa no mundo, fazendo com que fatos de certa maneira aconteçam juntos como se fossem um só, apesar de não captarmos essa integração. Talvez um dia possamos descobrir um novo tipo de método matemático, através do qual fiquem provadas essas identidades. Mas atualmente sinto-me totalmente incapaz de afirmar se é o corpo ou a psique que prevalece.” # 69/70

5. Ao final da segunda conferência, um dos presentes retoma, na forma de novo questionamento, a discussão do paralelo psicofísico (# 135). Pode-se perceber, na colocação da pergunta a tentativa de cobrar de Jung a retomada da análise de um sonho por ele realizada em outro contexto. A partir da interpretação do mencionado sonho, Jung teria identificado a base orgânica da doença do sonhador, conforme é relatado na nota 33, pág. 60 do texto original. Dr. Bion pergunta, então, se Jung coloca apenas como uma analogia os paralelos entre as formas arcaicas do corpo e da mente ou se ele percebe uma relação mais profunda entre elas. A íntegra das respostas de Jung abrange várias páginas, motivo pelo qual novamente recomendamos uma consulta ao texto original(# 135 a 144). Como ilustração da cautela adotada por Jung frente à questão citaremos aqui alguns trechos dessa sua fala.

“O senhor voltou novamente ao problema do paralelo psicofísico, ponto extremamente controvertido, sem resposta, pois está fora do conhecimento humano. Como tentei explicar ontem, as duas coisas acontecem juntas, de maneira peculiar, e são, creio, dois aspectos diferentes apenas para a nossa inteligência, e não na realidade. Nós as concebemos como duas formas devido a nossa total incapacidade de concebê-las juntas.” # 136

“O caso mencionado pelo senhor foi o do pequeno mastodonte. Explicar o que o mastodonte significa de orgânico e por que devo tomar tal sonho como sintoma fisiológico desencadearia uma tal polêmica que os senhores acabariam por me acusar de obscurantismo. Tais coisas são realmente obscuras, e eu teria de falar da mente básica, que pensa por meio de padrões arquetípicos. Quando falo de tais padrões, aqueles que têm consciência deles entendem, mas os outros podem acabar pensando assim: ‘Esse sujeito é completamente louco, pois se preocupa com diferenças entre mastodontes, cobras e cavalos’. Eu deveria dar-lhes um curso de aproximadamente quatro semestres sobre simbologia para que os senhores conseguissem seguir o que eu digo.” # 138

“Quando ouvem o que digo, costumam dizer: é passe de mágica. Também se pensava assim na Idade média e se perguntava: Como se pode afirmar que Júpiter tem satélites? Se a gente responder que é pelo telescópio, o que representará isso para um público medieval?.” # 139

“Não quero me superestimar por isso; fico sempre perplexo quando meus colegas perguntam: Como você estabelece um diagnóstico desses ou chega a tal conclusão? Respondo normalmente: Explico, se você me permitir dizer o que você deve fazer a fim de entendê-lo.” # 140

6. Ao discorrer sobre os complexos:

“…provavelmente os senhores já observaram que, ao me fazerem perguntas difíceis, não consigo respondê-las imediatamente porque o assunto é importante, e o meu tempo de reação, muito longo. Começo a gaguejar e a memória não fornece o material desejado. Tais distúrbios são devidos a complexos – mesmo que o assunto tratado não se refira a um complexo meu. Trata-se simplesmente de um assunto importante, tudo o que é acentuadamente sentido torna-se difícil de ser abordado, porque esses conteúdos encontram-se, de uma forma ou de outra, ligados com reações fisiológicas, com processos cardíacos, com o tônus dos vasos sangüíneos, a condição dos intestinos, a enervação da pele, a respiração. Quando houver um tônus alto, será como se esse complexo particular tivesse um corpo próprio e até certo ponto localizado em meu corpo, o que o tornará incontrolável por estar arraigado, acabando por irritar meus nervos. Aquilo que é dotado de pouco tônus e pouco valor emocional pode facilmente ser posto de lado porque não tem raízes. Não é aderente.” # 148

“…O complexo, por ser dotado de tensão ou energia própria, tem a tendência de formar, também por conta própria, uma pequena personalidade. Apresenta uma espécie de corpo e uma determinada quantidade de fisiologia própria, podendo perturbar o coração, o estômago, a pele.(…) Quando se fala em força de vontade, naturalmente se pensa em um ego. Onde, pois, está o ego, ao qual pertence a força dos complexos? O que conhecemos é o nosso próprio complexo do ego, que supomos ter o domínio pleno do nosso corpo. Não é bem isso, mas vamos considerar que ele seja um centro que está de posse do corpo, que exista um foco denominado ego, dotado de vontade e que possa fazer alguma coisa por meio de seus componentes.” # 149.

7. Comentando um sonho, Jung estabelece relações entre imagens oníricas e estruturas orgânicas do sonhador. Novamente reproduziremos aqui apenas as correlações estabelecidas. O contexto global poderá ser localizado nos parágrafos 180 a 201 do texto original.

“…Afirmo – e quando digo isso tenho algumas razões para fazê-lo – que representações de fatos psíquicos através de imagens como cobra, lagarto, caranguejo, mastodonte ou animais semelhantes também representam fatos orgânicos. A serpente, via de regra, representa o sistema raquidiano (cérebro espinhal), particularmente o bulbo e a medula. O caranguejo, por outro lado, sendo dotado apenas de um sistema simpático, representa as funções relativas a esse sistema nervoso, mais o parassimpático, ambos localizados no abdômen. O caranguejo é uma coisa abdominal. Então, se traduzirmos o texto do sonho, poderemos ler: se você continuar assim, seu sistema simpático e raquidiano voltar-se-á contra você, e aí não haverá como fugir. E é bem isso o que está acontecendo. Os sintomas de sua neurose expressam a rebelião das funções simpáticas e do sistema raquidiano contra a sua atitude consciente.” # 194(…)

“Eis como se comportam as pessoas que só têm cabeça. Usam o intelecto, a fim de afastarem as coisas por meio de um raciocínio qualquer. Dizem: Isso é insensato, portanto, não pode ser, portanto, não é. É assim que faz o nosso amigo. Ele simplesmente abole o monstro através do raciocínio.” # 199

8. Comentando um sonho de criança Jung menciona outras relações entre símbolos presentes no conteúdo onírico e estruturas orgânicas da sonhadora. Os conteúdos envolvidos são: a) uma roda de fogo despencando morro abaixo ameaçando queimar a sonhadora; b) uma barata picando a sonhadora.

“A barata segundo penso, relaciona-se ao sistema simpático. Daí ser possível calcular que haja certos processos psicológicos estranhos desenrolando-se na criança, que afetam esse sistema, o que poderá provocar-lhe alguma desordem abdominal ou intestinal. A afirmação mais cautelosa que nos podemos permitir é a de que pode ter havido um certo acúmulo de energia no sistema simpático, causando ligeiros distúrbios. O que também é expresso pela simbologia da roda de fogo, que em seu sonho parece surgir como um símbolo solar, correspondendo o fogo, na filosofia tântrica, ao chamado manipura chacra, que se localiza no abdômen. Nos sintomas prodrômicos da epilepsia, às vezes encontramos a idéia de uma roda que gira no interior da pessoa. Isto também expressa uma manifestação duma natureza simpática. A imagem da roda que gira lembra a crucifixão de Ixion. O sonho da garotinha é um sonho arquetípico, um desses estranhos sonhos que as crianças costumam ter.” # 203

9. Ao falar sobre o caráter emocional da transferência:

(…)”As emoções não são manejáveis como as idéias ou os pensamentos, pois são idênticas a certas condições físicas, sendo, portanto, profundamente enraizadas na matéria pesada do corpo.(…)” # 317

10. Ao falar sobre o caráter contagioso das emoções:

“A projeção de conteúdos emocionais sempre tem uma influência particular. As emoções são contagiosas, estando profundamente enraizadas no sistema simpático, que tem o mesmo sentido que a palavra ‘sympathicus’.(…)” # 318

11. Mais adiante, ainda tratando do tema transferência, Jung comenta as somatizações possíveis de acometer os terapeutas, causadas pela infeção psíquica decorrente das contínuas projeções a que estão expostos durante seu trabalho:

“São espinhos do ofício do terapeuta tornar-se psiquicamente infectado e envenenado pelas projeções às quais se expõe. Tem de estar continuamente em guarda contra a auto-estima excessiva. Mas o veneno não afeta apenas a sua psique. Pode ser que perturbe finalmente o seu sistema simpático.

Tenho observado um número extraordinário de doenças físicas entre os psicoterapeutas; doenças que não se ajustam à sintomatologia médica conhecida, e que eu atribuo à contínua onda de projeções da qual o analista não discrimina a sua própria psicologia. A condição emocional particular do paciente exerce um efeito contagioso. Pode-se dizer que ela provoca as mesmas vibrações no sistema nervoso do paciente e, conseqüentemente, como os alienistas, os psicoterapeutas também são passíveis de tornarem-se um pouco esquisitos. Não deve-mos nunca esquecer esse fato, pois liga-se profundamente com o problema da transferência.” # 356

12. Comentando a eclosão do nazismo na Alemanha – como resultante da ativação de conteúdos arquetípicos -, Jung enfatiza a possibilidade de atuação das forças do inconsciente sobre as estruturas orgânicas. Mais uma vez, devemos ressaltar a recomendação da leitura integral do texto original para a real compreensão das idéias do autor. Vale lembrar a época destas conferências: entre as duas guerras mundiais (1935).

(…) “Eu já pressentira esse fato em 1918, quando disse que a ‘besta loura está se mexendo em seu sono’ e alguma coisa vai acontecer na Alemanha(18).

Naquela época, nenhum psicólogo entendeu o que eu queria dizer, pois não entendiam que nossa Psicologia individual não passa de uma pele bem fina, uma pequena onda sobre um oceano de Psicologia coletiva. O fator poderoso, aquele que muda a vida por completo, que muda a superfície do mundo conhecido, que faz a História, é a Psicologia coletiva que se move de acordo com leis totalmente diferentes daquelas que regem nossa consciência. # 371(…)

(…)”Não se pode resistir a tal poder. Os acontecimentos escapam a todas as medidas e fogem à capacidade de raciocinar. O cérebro acaba não valendo nada e o sistema simpático é tomado. Ê uma força que simplesmente fascina as pessoas de dentro para fora, é o inconsciente coletivo que está sendo ativado, um arquétipo comum a todos os que vêm à vida. # 372(…)

b A platéia apreende, a partir de novos comentários acrescidos sobre a questão anterior, a posição de Jung sobre a neurose enquanto tentativa de autocura e solicita sua confirmação de tal entendimento. Em resposta a essa solicitação, Jung apresenta sua percepção dos aspectos positivos das patologias às doenças físicas:

“Participante: Posso dizer então que a irrupção de uma doença neurótica, do ponto de vista do desenvolvimento humano, é um fator favorável?

Jung: É isso mesmo, e fico contente que esse ponto tenha sido levantado. Meu ponto de vista é realmente este. Não sou totalmente pessimista em relação a uma neurose. Em muitos casos deveríamos dizer: ‘Graças a Deus ele decidiu ficar neurótico’. Essa é uma tentativa de autocura, bem como qualquer doença física também o é. Não se pode mais entender a doença como um <ens per se>, como uma coisa desenraizada, como há algum tempo se julgava que fosse. A Medicina moderna, a clínica, por exemplo, concebe a doença como um sistema composto de fatores prejudiciais e de elementos que levam à cura. O mesmo se dá com a neurose, que é uma tentativa do sistema psíquico auto-regulador de restaurar o equilíbrio, que em nada difere da função dos sonhos, sendo apenas mais drástica e pressionadora.” # 388 e 389

Comentário final:

Apresentamos neste artigo apenas uma pequena seleção ilustrativa dos dados coletados em nossa pesquisa. O levantamento feito ao longo de todo o livro permitiu-nos, inicialmente, a constatação de alguns aspectos quantitativos interessantes, não tanto pelos números em si mesmos, mas pelo que podem nos mostrar a respeito da relação estabelecida entre Jung e sua platéia.

Essa mesma releitura implicou ainda numa espécie de imersão nas entrelinhas das cinco conferências. E durante esse mergulho na atmosfera provavelmente dominante durante a apresentação e discussão das idéias de Jung, nossa atenção se voltou para algumas observações e impressões a serem comentadas a seguir. Do ponto de vista mais objetivo, temos já um aspecto quantitativo a destacar. Realizando uma rápida contagem, dispomos dos seguintes números: De um total de 415 parágrafos, constituintes das cinco conferências relatadas, nosso levantamento aponta uma soma de 97 parágrafos selecionados por conterem algum tipo de menção ao corpo e/ou suas estruturas componentes (dos quais apenas 13 foram reproduzidos aqui(19)). Esses números já nos dizem alguma coisa, especialmente se tivermos em conta o fato de essa não ser, a princípio, uma obra sobre a questão do corpo na Psicologia!

Mas, se formos um pouco além e observarmos a distribuição dos parágrafos selecionados ao longo das cinco conferências, um dado a mais chamará nossa atenção. Esses 97 parágrafos estão distribuídos da seguinte maneira:

* “Primeira conferência”: 13 parágrafos;

* “Segunda conferência”: 25 parágrafos;

* “Terceira conferência”: 28 parágrafos;

* “Quarta conferência”: 11 parágrafos;

* “Quinta conferência”: 20 parágrafos.

Percebemos, então, o fato de a freqüência no uso de algum tipo de menção ao dado corporal ter aumentado, progressivamente, desde a primeira até a terceira noite. Em seguida caiu, durante a quarta conferência, para voltar a aumentar numericamente na última apresentação. Esses números não parecem apenas casuais. Acompanhando a apresentação das idéias de Jung, o leitor atento certamente poderá perceber os movimentos – tanto do próprio Jung quanto por parte da platéia – frente às colocações mais diretamente relacionadas ao tema dos paralelos psicofísicos, tornando bastante significativa a distribuição dos números acima apontada.

Durante as duas primeiras conferências, Jung introduz de maneira fluente, tranqüila, quase casual, sua visão integradora de tais processos. Expressa-se de forma bastante direta e enfática, ao estabelecer as primeiras correlações psicofísicas, sem com isso parecer ter intenção de explicar tais paralelismos. Esta “tonalidade” de suas falas podem ser observadas, por exemplo, nos momentos em que aborda: a origem da consciência (#14); o ego (#18), ou ainda quando diferencia afeto e sentimento (# 48).

Ao final da primeira conferência, um dos presentes coloca uma pergunta mais direta a respeito – # 68. A questão, no entanto, é formulada em termos do dualismo causa-efeito: os afetos seriam causados por condições fisiológicas ou o processo se daria de modo inverso?

Em resposta, Jung expõe com bastante clareza a posição por ele adotada: ressalta a complexidade do problema, bem como os aspectos filosóficos envolvidos. Mais uma vez ressalta ainda, enfatizando seu procedimento, a importância da observação empírica dos fatos. E, nessa medida, apresenta a constatação a respeito da simultaneidade dos eventos psicofísicos. Sublinhando não pretender esgotar sua explicação, propõe o princípio da sincronicidade como um recurso para ampliar parcial e temporariamente a compreensão a respeito. Percebe-se já nesse momento que, embora Jung coloque sua posição de forma clara e aberta a futuras ampliações, não se dispõe a entrar em discussões meramente teóricas a respeito da questão, como lhe foi proposto por alguns dos ouvintes. Mas a platéia não parece dar-se por satisfeita com sua resposta (ou seria com sua não adesão à polêmica?) ao tema. Vejamos como evolui esse ponto do diálogo entre Jung e os presentes às conferências.

Ao final da terceira exposição e de forma quase provocativa (# 135 a 137), mais uma vez alguém retoma a mesma questão. Jung de início responde atenciosamente ao participante proponente da questão (# 136). Diante, porém, de nova insistência da platéia, Jung inclui, numa consideração amplificadora, uma observação ao estilo dos sábios orientais frente a discípulos mais jovens e imaturos: intercala um sutil, mas certeiro, “puxão de orelhas”, ao explicar a condição necessária para o fornecimento da resposta solicitada.

“Eu deveria dar-lhes um curso de aproximadamente quatro semestres sobre simbologia para que os senhores conseguissem seguir o que eu digo.” #138

Poderíamos presumir essa observação de Jung como encerramento da questão. Essa impressão poderia até ser reforçada pelo fato de, na noite seguinte, Jung reduzir suas menções ao tema causador de tanta inquietação. Porém não foi isso o que ocorreu, visto ao final da quarta exposição, mais uma insistência no mesmo ponto ser apresentada por um dos participantes (# 299 a 302).

Dessa vez, porém, a resposta de Jung é menos paciente: mostra-se realmente decidido a considerar definida a questão. Entenda-se bem: encerrada apenas enquanto discussão, pois, ao longo da próxima conferência, Jung volta a estabelecer novos paralelos entre os processos psicofísicos, tal como fizera nas apresentações das três primeiras noites.

Outro aspecto a ser destacado é a própria maneira com que tais correlações são expressas pelo autor: fica muito claro o fato de, ao traçar esses paralelos, Jung não expressar-se de forma a estabelecer relações causais entre os eventos psicofísicos. Em lugar disto, menciona-os como simultâneos, ou, melhor dizendo, sincrônicos. Descreve os processos globais tal como os observa, de acordo com sua perspectiva integradora, em lugar de estabelecer dicotomias analíticas. Agindo assim, sua forma de expressão antecipa, em sentido mais prático do que teórico, proposições só agora presentes no âmbito da Psicologia acadêmica. Essas considerações começam a explicitar o emergir coletivo de um certo enfoque da consciência, tido como novo para nossos padrões ocidentais.

Ainda de acordo com o pensamento junguiano expresso na atualidade, o movimento acima apontado corresponde a um passo importante e previsível do processo de desenvolvimento da consciência em termos coletivos. Embora fundamental para a compreensão de algumas das proposições de Jung, a exploração deste tema, por sua amplitude, escapa ao alcance dos limites desse nosso trabalho.

Remetemos, então, o leitor interessado a autores como Neumann(20) e Whitmont(21), entre outros(22), que ocupam-se amplamente dessa questão: o emergir ou, melhor dizendo, o ressurgir da consciência matriarcal. A título apenas de ilustração, faremos uma breve citação de Whitmont a respeito.

“O caráter divisível e, posteriormente analítico da consciência patriarcal é de natureza masculina. Essa maneira particular de experimentar os acontecimentos é, evidentemente, apenas uma entre outras.

Não é uma qualidade necessária ou intrínseca à consciência enquanto tal. Acostumados que estamos ao funcionamento patriarcal, ela acabou nos parecendo a única alternativa possível. No entanto, uma consciência de natureza mais Yin, que está começando a fazer-se presente na atualidade, não funciona por meio de separações e divisões, mas através da percepção intuitiva de processos inteiros e de padrões inclusivos.” (23)

Levando em conta os pontos acima levantados, parece-nos, efetivamente, ter Jung razões de sobra para não se mostrar interessado em “discutir” a questão do paralelismo psicofísico, tão insistentemente incitada durante a realização das Conferências de Tavistock. Não, ao menos, nos termos da discussão proposta por aquela platéia. Nem poderia ser de outra forma, visto sua apreensão desses processos estar, já então, alguns passos além de sua época. Nesse aspecto, como aliás em muitos outros, Jung, em seu tempo, já estava caminhando em direções somente agora apontadas por investigadores tidos, na atualidade, como portadores de proposições inovadoras.

Por outro lado, registros datados da mesma época das conferências de Tavistock nos apresentam colocações bastante explícitas, feitas por Jung no âmbito de círculos mais restritos, onde podemos encontrar interessantes exemplos do ponto de vista amplificado com que verdadeiramente buscava compreender tais processos.. A título de ilustração apresentaremos a seguir alguns pequenos trechos de comentários feitos por ele durante os “Seminários sobre Assim falou Zarathustra” a respeito da alternância do predomínio “carne/espírito” ao longo da evolução ocidental.

“A Filosofia e a Religião são como a Psicologia quanto ao fato de que não se pode nunca colocar um princípio definitivo: é impossível, pois algo que é verdade para um estágio de desenvolvimento é bastante inadequado para outro. Então é sempre uma questão de desenvolvimento, de tempo; a melhor verdade para certo estágio é talvez veneno para outro.” (…)

“O espírito pode ser qualquer coisa, mas somente a terra pode ser algo definido. Então manter-se fiel à terra significa manter-se em relacionamento consciente com o corpo. Não fujamos e nãos nos tornemos inconscientes dos fatos corporais, pois eles nos mantém na vida real e ajudam-nos a não perder nosso caminho no mundo das meras possibilidades, onde estamos simplesmente de olhos vendados.” (….)

“Mas é perfeitamente lógico que depois de uma época que esgotou a importância do espírito, a carne deva ter sua vingança e conquistar o espírito talvez mesmo sobrepujá-lo por algum tempo. É claro que expressemos essas coisas usando os termos espírito e matéria, sem saber exatamente o que designamos através dessas palavras.

Na filosofia clássica chinesa usar-se-iam os termos Yang e Yin, e dir-se-ia que está de acordo com as regras do céu que eles invertam suas posições. Yang devora o Yin, e do Yang o Yin renasce; ele emerge de novo, e então o Yin envolve o Yang, e assim por diante. Este é o curso da natureza. Os chineses não ficam tão aborrecidos, porque eles tem observado este processo natural por muito mais tempo. Mas a nossa história não é velha o suficiente, então ficamos atônitos ao observar que o espírito devora a matéria, e então a matéria devora o espírito. É exatamente o mesmo processo. Nós fomos ensinados que Deus enviou seu filho para sobrepor o espírito à carne como um evento único na história; e agora nós aprendemos a verdade reversa, que a carne devora o espírito. E nós ainda não conseguimos acreditar nisso, embora tenha se tornado ainda mais óbvio do que quando apareceu pela primeira vez, no tempo da Reforma.”(24)

A pequena pesquisa apresentada neste capítulo nem de longe pretende esgotar o tema levantado, ou seja, o tratamento dado à questão do corpo em Jung. Ao contrário, o leitor atento poderá ampliar fartamente essa observação, ao percorrer sua vasta obra.

Nossa intenção aqui foi demonstrar de maneira breve, porém fundamentada, as formas mais ou menos sutis com que colocava sua posição essencial a respeito dessa questão. Já ao final da vida, Jung podia se permitir ser mais explícito ao colocar suas posições sobre essa questão, como exemplifica esse pequeno trecho de entrevista concedida por ele a G. Duplain em 1959. A temática geral dessa entrevista era as mudanças e adaptações necessárias para a Humanidade na entrada do terceiro milênio. Em dado momento, Duplain pergunta à Jung:

“Duplain – Mas que recomendações pode fazer para a passagem que está prestes a ocorrer e cujas dificuldades o senhor teme?

“Jung: Um espírito de maior abertura em relação ao inconsciente, uma atenção maior aos sonhos, um sentido mais agudo da totalidade do físico e do psíquico, de sua indissolubilidade; um gosto mais ativo pelo autoconhecimento. Uma higiene mental melhor estabelecida, se quisermos ver as coisas por esse prisma.” (25)

O pensamento junguiano plantou sementes férteis, e muitas já começaram a germinar, há algum tempo, na direção apontada acima. Ao longo deste nosso relato foram mencionados vários autores cujas pensamento mostra o florescimento de idéias concordantes com a recomendação presente na última citação de Jung.

Recentemente têm surgido publicações ilustrativas do movimento já muito ativo no sentido da solidificação dessa visão integradora frente à estrutura psicofísica. Um desses trabalhos soaria talvez como uma heresia aos ouvidos acadêmicos, caso tivesse surgido alguns anos antes. Trata-se da recente publicação, em português, do livro de J. P. Conger “Jung e Reich – O Corpo como Sombra”(26). Mais do que o próprio conteúdo dessa obra, destacamos aqui o aspecto no mínimo inusitado do paralelo estabelecido pelo autor já em sua apresentação. Soa-nos como se o espírito de nosso tempo já reclamasse com veemência aquela disposição antecipada por Jung: a reabilitação do corpo do exílio a que foi lançado em nossa civilização ao longo dos últimos séculos.

Ou ainda, dizendo de outro modo, a necessidade da reconciliação do ser humano com a (sua) própria natureza, como condição essencial para atingir a transcendência.

Porém, mesmo estando ainda o homem tão longe de elucidar os mistérios da união de seu ser terreno com sua alma, alguns pensadores, seguindo a trilha deixada por Jung, nos ajudam a refletir com maior inteireza sobre essa questão. É o caso de Kreinheder, ao dizer, citando Plotino: “na doença, o corpo perde contato com a alma, e não se parece com ela.”(27)

Notas e referências bibliográficas:

(1) Este artigo contem a síntese do material apresentado pela autora no capítulo homônimo do livro “Integração Psicofísica – O Trabalho Corporal e a Psicologia de C.G. Jung”, (Ed. Robe/C.I. – São Paulo, 1995). Este capítulo, por sua vez, foi elaborado com base no trabalho apresentado sob o mesmo título no “Encontro do Sedes” realizado em 1991.

(2) Mais elementos sobre estes aspectos históricos são apresentados no capítulo 1 do mesmo livro citado no item anterior.

(3) McNeely, D. A., Tocar, Terapia do Corpo e Psicologia Profunda. Ed. Cultrix, 1a. edição, São Paulo, 1987.

(4) Definição do termo “somatoterapia”, segundo a autora: “Uso o termo somatoterapia para expressar um processo que ocorre entre o indivíduo e o terapeuta que emprega o movimento e centros físicos para alcançar seu objetivo mútuo: a descoberta dos aspectos da psique antes desconhecidos. O terapeuta usa o centro físico além da atenção tradicional aos processos psíquicos, a fim de incrementar o diálogo entre o consciente e o inconsciente.” Ib, pág. 17.

(5) Ib., pág. 36.

(6) Ib., pág. 37.

(7) Jung, C. G., A Prática da Psicoterapia, Ed. Vozes, 2a. Edição, Petrópolis, 1985, pág. 84, parágrafo 198.

(8) Jung, C. G., Fundamentos de Psicologia Analítica, Ed. Vozes, 5a. Edição, Petrópolis, 1989, perguntas e respostas relatadas ao final da primeira e segunda conferências, conforme será destacado na seqüência deste capítulo.

(9) Jung, C. G., Memórias, Sonhos, Reflexões, compilação e prefácio de Aniela Jaffé, Ed. Nova Fronteira, 4a. Edição, Rio de Janeiro, 1981, pág. 100.

(10) Jung, C. G., op. cit. em 8, pág. 84, parágrafo 194.

(11) A partir desse ponto, em nome da praticidade, a indicação das localizações referentes ao relato das conferências será inserida no próprio texto. O sinal “#” indicará o número do parágrafo de “Fundamentos de Psicologia Analítica” transcrito.

(12) A origem embrionária comum (ectodérmica) da pele e do sistema nervoso central é comentada por vários autores, conforme foi relatado no capítulo 9 – “A Calatonia” – do livro citado na referência 1.

(13) Recentemente observamos o surgimento de novas áreas de pesquisa científica, peculiarmente constituídas pela integração de disciplinas até então tidas como campos independentes e específicos de investigação. Um exemplo é a Psiconeuroimunologia, um novo campo – os primeiros trabalhos datam do início da década de 80 – em que já se investiga, a nível laboratorial, aspectos bastante acurados das correlações psicofísicas. Nos Estados Unidos o Institute of Noetic Sciences (2658, Bridgeway, Sausalito, California 94965) publica o boletim Investigations com informações a respeito do andamento de tais pesquisas.

(14) Ver nota no 16, no texto original, à pág. 22.

(15) Na seqüência do texto original Jung relata um exemplo e ilustra o que acaba de citar.

(16) Ver nota no 19, no texto original, pág. 29.

(17) Ver nota no 20, no texto original, pág. 30.

(18) Ver nota no 74, no texto original, pág. 151.

(19) No capítulo homônimo deste artigo, componente do livro citado na nota de número 1, é apresentada a reprodução integral dos 97 parágrafos selecionados em nossa pesquisa.

(20) Neumann, E., História da Origem da Consciência, Ed. Cultrix, 1a. Edição, São Paulo, 1990.

(21) Whitmont, E. C., Retorno da Deusa, Summus Editorial, 1a. Edição, São Paulo, 1991.

(22) Essa questão, relativa ao ressurgimento da consciência matriarcal, e suas implicações em diferentes níveis dos processos coletivos, vem recebendo nos últimos tempos a atenção de autores junguianos. Não apenas a importância da consideração do corpo para a mais completa compreensão dos dinamismos psíquicos, mas toda uma nova postura diante de questões básicas humanas decorre desta perspectiva. Uma mostra dessa bibliografia pode ser encontrada, por exemplo, nas matérias publicadas na revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica: Junguiana. Ou, ainda, em publicações mais recentes da área, onde toda uma ênfase sobre as questões relativas ao tema pode ser constatada.

(23) Ob. cit. no item 21, pág. 78.

(24) Jung, C.G., Seminário sobre: Assim falou Zarathustra, Clube Psicológico de Zurique, 1934/1939, tradução do prof. Pethö Sándor para estudos em grupo, págs. 51 e 52.

(25) Em McGuire, W., e R. F. C. Hull, C.G. Jung: Entrevistas e Encontros; Ed. Cultrix, São Paulo, 1982 cap.: “Nas fronteiras do conhecimento”, pág. 364.

(26) Conger, J. P., Jung e Reich – O Corpo como Sombra, Ed. Summus, 1a. Edição, São Paulo, 1993. A edição original inglesa data de 1988.

(27) Kreinheder, A., Conversando com a Doença – Um diálogo de Corpo e Alma, Summus Editorial, 1a. Edição, São Paulo, 1993, pág. 32.

“O quê, afinal, eu aprendi com Sándor?” – Elvira Leme

A ouvir meus próprios passos, a batida de meu coração, e a música de minha respiração.

A tocar a alma, a valorizar as imagens e o lado esquerdo do corpo; a praticar a escuta intuitiva e a abrir-me para receber o outro. A cultivar o dom da empatia. A me comunicar sem necessidade de barreiras. A desenvolver a sensibilidade. A ser uma trabalhadora da alma, incansável, como abelha-operária em sua colméia. A transpor sistemas representacionais de separação, divisão e decodificação entre sujeito e objeto.

A ver o mundo sendo nele. A desembrulhar-me para o mundo, desvestir-me da túnica de pele e iluminar a consciência.

Aprendi a ver a pele como uma membrana fina, que separa o mundo interno e externo. Transduz informações de dentro para fora e de fora para dentro. É película sutil, elástica e flexível, mundo intermediário possibilitador do mundo imaginal.

Aprendi a mergulhar no mundo imaginativo e a perceber que o meu modo de ver é predominantemente sintético e analógico, que se expressa antes em imagens do que em palavras.

Aprendi a desenvolver a função intuitiva – ou a dar crédito a ela. É o todo que me convoca (e me aflijo por não poder traduzi-lo em conceitos).

A atender pessoas colocando-me ao seu serviço (terapia é servir!). A ter fé no processo. A acreditar que o objetivo é o processo em si. A aceitar a transitoriedade da experiência, da vida, não apreensível em esquemas. “Man is not the summit of evolution; he is a transitional being”. (Sri Aurobindo).

A receber o que herdei de meus pais como uma graça, um legítimo merecimento para meu aprendizado. A esculpir e modelar meu corpo, segundo critério fora do padrão aceito e valorizado. A descobrir o meu jeito-de-ser-neste-corpo, sua forma de funcionar, seu ritmo e movimento. A funcionar com o coração, a “pensar com o coração”, a tocar com o coração.

A ver e ouvir e conversar com as costas; tocar com as mãos, os pés, os cotovelos e joelhos; tocar com o olhar e com o sopro. Contar histórias na coluna e cantar no osso sacro.

A valorizar as minúcias, os recantos, as dobras, espaços interdigitais, os pelos e fios de cabelo.

A dar batidinhas nos ossos, desatarraxar a cabeça, andar com os pés sobre a coluna, contar tabuada no ventre, tocar o nariz e as orelhas, respirar pelas articulações, puxar e estirar, abrir e deslizar, fazer varreduras e sacudidelas. A praticar o cafuné científico, fiar a coluna, fazer cestinha nos olhos, dançar com os ombros, dançar com os pés nas paredes, dar tapinhas com a mão em concha, tocar sanfona no diafragma, fazer vibrações sutis no corpo todo. A descobrir que o choro e o riso brotam do diafragma. Fazer chacoalhões e rotações, circulinhos nos dedos dos pés, movimentos de oitos deitados e em pé, de oitinhos e oitões. A reajustar os pontos de apoio. A descomprimir fracionadamente o corpo todo. A tocar harpa nas pernas. A dar o passo do dragão, passear no mel, apanhar laranjas, movimentar-me como o moinho, a foice, o flamingo, o pêndulo.

A tocar e abrir as asas do corpo e do imaginário.

Aprendi a trabalhar com o corpo num processo de desvestir, desnudar e simultaneamente cobrir, e tapar (proteger), revestindo-o de outras qualidades: descobrir cobrindo (velando e desvelando). É a passagem da pedra bruta ao corpo sutil; desenvolvendo o corpo para torná-lo translúcido. O diáfano corpo-diamante, vida compactada e transparente, atravessado pela luz.

Aprendi com o método calatônico, a “desatar o odre, a soltar as amarras” da separação do mundo interno e externo. (khalaó, em grego indica “relaxação”, “alimentação”, “afastar-se do estado de ira, fúria, violência”, “abrir uma porta”, “desatar as amarras de um odre”, “deixar ir”, “perdoar aos pais”, “retirar todos os véus dos olhos”).

Aprendi a arte de edificar meu corpo e adquiri a experiência de Ser um corpo.

Vi e experimentei que a doença e a dor podem ser o único caminho para nos dar a conhecer e nos resgatar esta condição.

Aprendi que a pele se alarga, se amolda, se descola e desloca (decola), que contém, que arrebenta, que se estica e se encolhe, e que é fina, muito fina (já fui pele e osso). Que cada parte da estrutura corpórea, a saber, os músculos, os ossos, as fáscias, o tecido conjuntivo, as vísceras, cada articulação, cada pedaço de pele (e cada cicatriz), contam a história do vivido e estão prenhes de potencialidades que através de um toque (de um outro) podem ser despertadas.

Aprendi que há várias dimensões de toques: o toque forte, o toque firme, o toque sutil, o toque sem toque, o toque de polaridades, o toque imaginado.

Aprendi a observar o corpo; a percorrê-lo dos pés à cabeça, a perceber seus espaços internos e externos, a observar suas linhas, sinuosidades, dimensões de largura e comprimento, proporções, correspondências, polaridades. A viajar por seus diversos humores e estados.

A colocar-me no espaço, a ganhar espaço; a respeitar a origem, o fundamento, a respeitar os limites, a ver através da fina película – véu da pele.

Aprendi a recriar o corpo através do toque – tão simbólico quanto o corpo.

Aprendi a ver com as mãos, a escutar com o corpo, a tocar com os olhos, a ouvir com o coração, a sorrir com os pés, a chorar com os quadris.

Aprendi a ser pedra e a ser flor. A ser verde e amarela, azul e violeta, num transformismo camaleônico.

Aprendi a acreditar no poder criador e regenerador. A ouvir a voz do silêncio. O barulho do intestino. A escutar à distância e a ver de perto. A dançar sobre águas e voar com asas invisíveis. A olhar para a noite e enxergar o sol e para a lua cheia e ver sua face luminosa. A cantarolar como pássaro e assobiar como criança. A dançar a dança guerreira do índio e o sacolejar como um sambista. A virar sapo e princesa e a lembrar das mais doces lembranças.

Aprendi a me virar, após muitos revirares. A dar cambalhotas e ver o mundo de ponta-cabeça, a erguer os pés para o céu e receber suas bênçãos. A virar a bunda para a lua e dormir em paz. A sentir o sentido da vida nas pequenas coisas. A pegar no imaterial, no impalpável com mãos de fada. A acariciar o macio, a acolher o duro e a amaciar. A participar da transformação, passo a passo, sendo surpreendida e surpreendendo-me. Aprendi que devo caminhar com a certeza de um devoto, a fidelidade de um samurai e a paciência de um monge.

Aprendi a ser cientista – da psique; cultivadora de pomares e de plantas, das mais comuns às mais exóticas, jardineira cuidadosa.

A zelar pelo maior patrimônio: a casa-templo que nos foi dada


O CORPO – METÁFORA DA EXISTÊNCIA

Corpo semente-nascente-emergente

Corpo abortado

não regado

Corpo desabrochante

florido

maduro

receptáculo e doador

Corpo ferido ou mutilado esquecido

Corpo-lua: novo, minguante, crescente, cheio

Corpo sol-luz

dia noite

Corpo – mente Corpo – corpo Corpo concreto e abstrato

claro escuro

azul, lilás, amarelo

Corpo multicolorido

Corpo criança velho Corpo animal (sangue)

Corpo mulher adolescente e aborrecente homem

Corpo vivo

morto parado em movimento

Corpo fértil seco nutrido subnutrido

doente sadio

Corpo alimento Corpo seiva Corpo protegido e ao relento

Corpo alegria Corpo tristeza

Corpo multiplicador Corpo grávido Corpo mutante-dançante

Corpo indivíduo Corpo grupo

Corpo doce e amargo suave e pesado gordo e magro

Corpo prisão

Corpo libertação

Corpo Dor Corpo Amor

Corpo humano Corpo divino

Corpo matéria Corpo energia

Corpo terra Corpo universo

Corpo mãe e da mãe Corpo Pai, Filho e Espírito Santo Corpo Sagrado

Corpo padrão

Corpo modelo

Corpo formatado

Corpo construção Corpo templo Corpo cosmos

Corpo que se sabe Corpo que se esquece

Corpo adormecido Corpo acordado

Corpo alado Corpo-raiz

Corpo que fala Corpo metamorfoseado Corpo que cala

Aprendi a Ser um corpo e a entrar em contato com a sabedoria implícita no processo de construção deste ser através do corpo.

“Minha Experiência com a Calatonia” – Cidinha Aguilar Clemente

Devido à história de meus pés (nasci com distonia muscular) fui encaminhada por minha terapeuta Ione Gallioti ao Dr. Sandor em setembro de 1964. Naquela época eu usava, além de botas ortopédicas, colete de aço (devido a escoliose e lordose), 1,68m de altura e pesava 87 quilos. Sandor olhou-me, encaminhou-me para sua sala e pediu para que eu tirasse relógio, anéis, afrouxasse a roupa e me deitasse. Disse-me que não esperasse nada especial e nem me preocupasse em relaxar. Tocou levemente em meus artelhos aplicando o que mais tarde vim a saber ser a CALATONIA.

Algumas vezes me assustei, pois não conseguia comandar o movimento de alguns músculos das pernas (movimentos involuntários), mas ele logo explicou que eram tensões saindo e isso me tranqüilizou.

Como um toque tão suave produz efeito tão abrangente?

Passei a ter terapia uma vez por semana, recebia a CALATONIA e pouco a pouco a ansiedade foi diminuindo e com ela o meu peso também. Tudo era mais claro para mim no nível físico (como se meus músculos hipotônicos ganhassem tonicidade e flexibilidade, até eu poder deixar o colete e a bota); emocional (fiquei mais confiante, a auto-estima aumentou, veio a segurança…); intelectual (mais atenta, conseguia fazer relações entre a fonoaudiologia com outras matérias procurando intensificar o conhecimento – busca essa que permanece até hoje); social (foi mais fácil entender os outros e aceitá-los para um convívio melhor); enfim, a percepção, a sensibilidade, aumentaram e a espiritualidade também.

Em 1968, casei-me pesando 63kg e já sem botas e colete. Tudo em mim se tornara harmonioso e funcionava regularmente. Diante desses resultados quis aprender CALATONIA e outras técnicas com Sandor e passei a empregá-las. Tem sido de grande valia para meus clientes com problemas psico-somáticos, de fonoaudiologia, de stress, de psicomotricidade, auxiliando-os a que tomem posse das suas habilidades e desfrutem a vida com maior qualidade, prazer, alegria e sucesso.

Demonstrei tanto interesse pelas técnicas empregadas pelo Prof. Sandor que ele, mesmo sabendo não ser eu psicóloga, convidou-me para participar dos encontros em sua casa e depois para a especialização em Cinesiologia do SEDES SAPIENTIAE. Estudamos neuroanatomia, neurofisiologia e pudemos aplicar suas técnicas inclusive na profilaxia de doenças psico-somáticas.

Durante 26 anos tive a felicidade de conviver e aprender um pouco do tanto que esse querido mestre, SANDOR, tinha a ensinar, mostrando sempre com muita simplicidade e precisão os toques que podem nos ajudar e a nos fazer sentir mais vivos, que nos dão leveza para vivermos uma vida melhor e com qualidade. Equilibrando todos nossos sistemas, desatando nós e tensões.

O que é Calatonia?

O vernáculo vem do grego “khalaó” significa relaxação, nutrição, regulação feita através de toques sutis e monótonos pelo terapeuta nos artelhos, na sola, no calcanhar, na convergência tendinosa do tríceps sural na parte posterior da perna, terminando com leve toque na cabeça. Há casos em que é aplicado a Calatonia nas mãos com algumas adaptações, às vezes poderá ser aplicada também sentado.

A CALATONIA atua na formação reticular, nas representações vegetativas no córtex cerebral e nos propioceptivos externos.

Formação Reticular – são pequenos neurônios e fibras relacionados entre si por micros processos e estão espalhados através da área do mesencéfalo, ponte e bulbo, hipotálamo e tálamo sendo responsável pelas vias motoras e sensitivas do cérebro. A formação reticular, com a experiência, vai sendo discriminada em sua resposta para estímulos diferentes, como por exemplo, sons de tráfego não acordam pessoas mas o cheiro de fumaça pode fazê-lo. Assim, o sistema reticular não recebe apenas impulsos sensitivos, mas também de várias partes do encéfalo. A destruição desse sistema leva ao estado de coma.

Representações Vegetativas – Sistema Nervoso Simpático (toraco-lombar) e Parassimpático (craniosacral).

Proprioceptivos Externos – receptores de vital importância para resposta posturais e locomotoras, incluindo receptores cinestésicos, musculares e de equilíbrio (labirinto). Os receptores para sentidos especiais estão localizados na cabeça (visão, olfato, audição, paladar e equilíbrio); os sentidos gerais estão espalhados pelo corpo todo e incluem dor, tato, pressão, frio, calor e cinestesia.

Aplicação:

É um método que atua segundo o ritmo de cada cliente.

Não depende de relaxamento nem de concentração, embora resulte em soltura e maior atenção.

Devido à leveza de seu toque o efeito é mais profundo indo dos dermátomos (rede periférica do Sistema Nervoso Central) até a sede do mesmo, regulando, tonificando, equilibrando, lentamente, todos os sistemas: ósseo, circulatório, muscular, hormonal, digestivo, renal, respiratório, linfático, etc.

Sendo assim apliquei com sucesso em:

Crianças portadoras de lesão cerebral na AACD em 1966, facilitando meu trabalho como fono na respiração, deglutição, fala.

Crianças: hipercineticas e hipotônicas; com problemas de controle esfincteriano; com bronquite e asma; com sonambulismo, crianças limítrofes e superdotadas; que sofreram traumas ou mudanças (como separação dos pais ou perda de algum membro da família), portadoras de diferentes síndromes neurológicas.

Adolescentes: Na mudança da voz; nos que tem dificuldade de atenção e concentração; na preparação do exame vestibular; nos que apresentam alguma perda (auditiva, visual, olfativa); para harmonização e aceitação da mudança do corpo conscientizando-os de seu novo esquema corporal; nos que tem dificuldades de relacionamento (social e familiar); nos casos de compulsão (obesidade, álcool, droga e fanatismo religioso); na organização do tempo e espaço.

Adultos: Afasia (perda da fala devido um AVC); Disfonia (perda da voz por motivo emocional ou em decorrência de alguma doença); STRESS; síndrome do ninho vazio; excesso de trabalho; síndrome de pânico; depressão; distribuição de tempo; clientes que enfrentaram o câncer ou outra cirurgia, insônia, atores (afim de soltarem a personalidade que representam), gravidez (pré e pós-natal); mudanças; de emprego, de estado ou país, de estado civil, perdas em geral (de parentes ou financeira).

São 35 anos de profissão em que, apesar de ter buscado diferentes métodos e linhas, a CALATONIA tem sido para mim e meus clientes o recurso exato (só, ou aliado a outras técnicas) para ajudá-los a reintegrar-se e adquirirem uma melhor qualidade de vida, descobrindo a própria força vital, seu ritmo e sua forma de empregá-los.

A vida é uma conquista diária. Assim nos encanta saber e assumir nossas qualidades e superar nossas dificuldades, para que, vivamos plenamente nossas emoções com alegria e sucesso.

A CALATONIA não é curadora, mas pela minha experiência acredito que ela pode facilitar a cura porque atua em vários níveis como físico, emocional e social organizando e nos preparando a viver com qualidade, aprendendo com nossas diferenças a nos relacionarmos melhor quando o respeito, o reconhecimento e o amor estejam presentes.

“Compartilhando Sandór” – Cidinha Aguilar Clemente

 

Os depoimentos que estão a seguir são colaborações de pessoas que cederam suas recordações para compor a sinfonia de recordações acerca do nosso mentor comum. Está ausente de meu propósito comparar, julgar ou esgotar as possibilidades de outros depoimentos ricos sobre o convívio com o Dr. Sandor. Que a apreciação do que Cidinha e Adelina contam estimule outras pessoas a narrarem seus momentos de descoberta.

Cidinha Aguilar Clemente, fonoaudióloga:

Quando tinha 20 anos, usava botas ortopédicas e pesava 87 quilos. Tinha distonia muscular. Além disso, devido a uma escoliose e lordose, usava um colete de aço. Ione Galliotti, minha terapeuta na época, recomendou que eu fosse conhecer o prof. Sandor.

No momento em que o vi, ele já ganhou a minha confiança. Era uma figura alta, olhar penetrante com um misto de bondade e respeito. Pediu que eu tirasse as coisas que me apertavam: anéis, relógio, afrouxasse a roupa e tirasse os sapatos. A coisa mais difícil para mim, era mostrar os pés que eu considerava muito feios com os dedos em garra apesar de toda fisioterapia que já fizera. Tinha um complexo muito grande, mas a confiança que aquele homem passava, fez com que tranqüilamente eu tirasse as botas… as meias… deixando meus pés livres e à mostra.

Sandor começou a tratar meus pés com a Calatonia. Era um toque leve e sutil que se irradiava pelo sistema nervoso.

Com o tempo foi ele me reorganizando a nível neurológico, emocional, fisiológico e até familiar. Sem abrir a boca, Sandor foi fazendo um trabalho cujos efeitos pude perceber na transformação do meu corpo, em sua tonicidade, em minha postura corporal e frente à vida. Para mim ele foi um médico, um mestre, um pai. Ele me abriu um caminho para coisas que eu estava buscando, mas para as quais não sabia dar nome. Era como se eu estivesse saindo de um grande ofuscamento e sendo trazida para a realidade da vida.

Esse meu primeiro encontro com Sandor deu inicio a um convívio que durou 26 anos. Durante esse tempo, ele me deu apoio em momentos difíceis da minha vida, de uma maneira simples e eficiente, com aquele respeito extraordinário que tinha pelo ser humano. Foi meu terapeuta, meu mestre e meu amigo e a ele, devo muito do que sou hoje.

Aprendi, nos cursos que dava no Sedes Sapientiae que a Calatonia não era apenas um toque, mas tinha tudo a ver com as bases neurológicas, fisiológicas repercutindo na área emocional, psíquica e social do ser humano. Eu mesma percebi através do trabalho a que me submeti com Sandor que as dificuldades que eu tinha tanto físicas, emocionais, de relacionamento, assim como o modelo que tinha assimilado por ser filha única com três irmãos, de família patriarcal, foram se transformando.

Nos 26 anos de convivência ele sempre teve a mesma postura quer dando aulas no Sedes Sapientiae, quer orientando grupos de leitura sobre Jung, quer me orientando quanto a meus clientes. Ouvia os casos com os olhos fechados e quando eu terminava, abria e falava com tal precisão, mostrando o caminho onde havia o nó que impedia o fluir da vida para essa pessoa. Era um conhecedor de almas!

A Calatonia é um trabalho feito através de toques sutis na pele onde temos uma rede periférica do sistema nervoso que se chama dermátomos. À medida que se toca na pele do cliente, trabalhamos com seu invólucro, portanto, com seus limites.

O mais interessante é observar que conforme se vão aplicando com maior sutileza os Toques de Reajustamento nos Pontos de Apoio, a Descompressão Fracionada, a pessoa vai voltando a se perceber no mundo com maior clareza. Isso ajuda a resolver as dificuldades de família, de relacionamento, desatando as couraças de que tanto Reich fala.

Depois de um tempo, meu peso foi para 64 quilos. Larguei o colete e descalcei as botas para sempre.

Hoje, trabalho com a Calatonia não só porque estudei mas porque vivenciei na pele os efeitos quase mágicos que ela traz para os clientes.


Relatos de casos tratados com a Calatonia:

Meu pai, há 7 anos fez três craniotomias para retirar coágulos, provenientes de uma queda, ficando na UTI com todo tipo de problema que uma pessoa de 83 anos pode apresentar numa circunstância dessa.

Apliquei os Toques Sutis do Dr. Sandor e aos pouco a pouco sua respiração, seus sistemas foram se harmonizando dando-lhe a oportunidade de reconquistar os movimentos de andar, de falar, de escrever podendo de novo integrar-se na vida. Até hoje, papai com 90 anos ganhou autonomia e qualidade de vida.

Um cliente de 39 anos chegou num grau elevado de stress. Como grande executivo carregava não só a responsabilidade empresarial num ritmo aceleradíssimo, como também problemas de ordem familiar em sua família de origem que muitas vezes lhe impediam de aproveitar o convívio com sua esposa e filhos.

Através da Calatonia foram se organizando seu tempo, seu ritmo e a ansiedade começou a diminuir e novas oportunidades despontaram, abrindo-lhe inúmeras fronteiras e dando-lhe a chance de escolha. A mudança veio lentamente, mas firme. Hoje ele desfruta de uma posição de destaque numa grande empresa multinacional. Com a organização conquistada, leva em seu trabalho não a tensão ou o ritmo frenético comum nas empresas desse porte, mas a serenidade, o discernimento e força na luta pelo sucesso.

Assim podemos ver quão poderosa é a Calatonia e os Toques Sutis pois atuam em várias camadas não só físicas, emocionais, relacionais, levando o indivíduo a agir com maior assertividade.

Um outro cliente me procurou com gagueira causada decorrente de um acidente de trânsito. Isso interferia muito em sua vida familiar, profissional, social e ele não conseguia interagir e cada vez mais se isolava e era infeliz. Era uma bola de neve.

Com o tratamento conscientizou-se que sua gagueira era acidental, e, o levava a pensar mais rápido do que conseguia falar. Trabalhamos a respiração, a postura, os órgãos fono-articulatórios, sempre encerrando com a Calatonia. As barreiras foram vencidas, a auto-estima aflorou , a ansiedade abaixou e seu canal de comunicação abriu. Hoje ele é um grande empresário, a mão direita do pai, constituiu família, assumiu a presidência de um grande clube social.

Um casal não podia ter filhos. Ela tem só um ovário e já tinha perdido três bebês. Comecei a fazer um trabalho corporal em grupo, com os dois e, individualmente fazia a Calatonia.

Após 3 anos e meio ela sentia-se diferente, bem disposta e percebendo alterações em seu corpo pedi que fosse ao ginecologista: estava grávida de três meses e 6 meses depois nasceu a VITÓRIA que hoje está com 9 anos.

Uma grande atriz de teatro e televisão me procurou porque não conseguia trabalhar. Perdia a voz após 10 minutos de entrar em cena. Devolveu duas vezes os ingressos do teatro lotado. Fiz um trabalho nos braços, e nas mãos, por sugestão do Dr.Sandor com movimentos sutis, em cada falange, de acordo com a respiração.

A imagem que teve durante o trabalho era que eu estava tirando uma casca como de cobra de cada segmento tocado.

— Deixe que a imagem venha com mais força, falei. Ela começou a ter um tremor e caiu no choro. Depois percebeu que quando sua voz embargava, 10 minutos de cena, era uma frase que tinha a ver com seu pai em sua saída do campo de concentração na última guerra mundial. Era uma história que ele lhe havia contado quando pequena. Fui algumas vezes aplicar Calatonia antes dela entrar em cena até que ela superasse essa emoção que a peça lhe trazia. Conseguiu fazer mais de cem apresentações com muito sucesso.

Assim vemos que a Calatonia acorda lembranças antigas, carregadas de emoções, possibilitando soltá-las e deixando novamente a vida fluir.

Sandor participou muito de minha vida, desde o namoro, casamento, trabalho, em tudo. Era muito reservado. O único abraço que recebi dele foi depois de 26 anos, num dezembro, quando ia para Pocinhos, um mês antes de sua morte. Perdi meu mestre, mas antes de ir embora passou para nós que fomos seus alunos, tudo o que pode do seu conhecimento.
Relato de alguns sonhos:

Uns dias antes do seu falecimento sonhei que estava no meu consultório, arrumando o jardim, com uma hera e bambu, querendo fazer ikebana e não dava certo. Dr.Sandor entrou e disse

— Agora você é o bambu!

— Mas eu não tenho flexibilidade!

— Quanto mais flexível você for, menos o impacto a colherá. Mais força você terá.

Daí saiu o meu arranjo respeitando a fragilidade da hera e conseguindo envergar o bambu.

Em outro sonho, ele me disse também: — A força não é medida por resistência, mas por persistência e flexibilidade.

A maior contribuição no campo profissional que recebi foi a simplicidade e precisão com que tratava os problemas que eu levava para ele. Como ele conhecia a alma humana!

A Calatonia nos leva a descobrir nossa força vital, nosso ritmo e a forma de empregá-los.

A presença do Dr. Sandor é bem forte em meu coração, na minha família, no consultório, em minha vida. 

“Depoimento apresentado durante homenagem póstuma a Pethö Sándor, realizada na PUC-SP em 30/04/92” – Rosa Maria Farah

 

“Quando sabemos qual é nosso propósito, o trabalho da Alma o realiza da melhor maneira possível através do nosso corpo”.

(Sônia Café, em “Meditando com os Anjos”)

No futuro, o Prof. Sándor certamente será lembrado como o criador da Calatonia, ou seja, pela maneira muito própria e especial com que propunha a utilização psicoterápica das técnicas de Integração Psicofísica, aliada aos conceitos da Psicologia Analítica – Em síntese, é assim que pode ser descrita a metodologia de trabalho por ele desenvolvida de modo tão especial, ao longo de seu trabalho constantemente criativo e renovador.

Mas certamente, não apenas eu, como todos os colegas que tiveram o privilégio de um contato direto com os seus ensinamentos, seriam unânimes em afirmar que a orientação que ele nos forneceu foi muito além do nível metodológico e conceitual, por mais importantes e significativas que tenham sido suas contribuições neste sentido.

O que pretendo ressaltar aqui – tal como pude apreender – são alguns aspectos da sua maneira de trabalhar (e talvez também de viver), expressas em paralelo às suas proposições. Aspectos estes que me parecem terem sido fundamentais tanto para o desenvolvimento das suas idéias, quanto para a forma com que nos transmitia seus ensinamentos Refiro-me, por um lado ao caráter pioneiro de suas propostas de trabalho terapêutico, e por outro, à postura por ele adotadas enquanto professor. Tal postura transparecia tanto na sua maneira de conduzir os cursos e grupos de estudos, quanto nas orientações que nos fornecia nos contatos individuais – para os quais sempre encontrava um espaço, mesmo em meio à sua intensa programação de atividades.

Através desse seu “modo de ser” é que Sándor nos transmitia seu modelo de atuação pessoal e profissional. Muito mais portanto, através de sua própria conduta, do que por meio de qualquer “discurso” a respeito. No entanto, ao longo do tempo, nós, seus alunos, pudemos pouco a pouco identificar a coerência desse modelo com os princípios mais atuais e inovadores das condutas em Psicologia.

Não é simples a tarefa de colocar em palavras uma descrição daquele seu modo tão peculiar de ser e atuar. Por isso mesmo vou iniciar por relatar alguns aspectos mais objetivos da sua história profissional, para nos servirem de referência mais concreta a respeito.

Quanto ao pioneirismo de sua forma de trabalho terapêutico, bastaria lembrar que ele Já propunha a atenção para com as diversas formas de trabalho corporal na psicoterapia (bem como nas áreas afins) muito antes do surgimento do interesse por tais metodologias em nosso meio. Nesse sentido, foi pioneiro entre nós tanto como terapeuta quanto como “formador” de novos profissionais.

Como registro deste fato, podemos lembrar a data de origem do conhecido livro “Técnicas de Relaxamento”(1), editado e reeditado seguidamente nos últimos anos pela Ed. Vetor de São Paulo: Sabemos que a obra que deu origem à esta publicação foi o “Boletim de Psicologia”(2) onde foram editados os registros relativos aos “Cursos sobre Relaxamento”, realizados em 1969/70 na “Sociedade de Psicologia de São Paulo”, uma vez que esse boletim era o seu órgão de divulgação.

O próprio Sándor elaborou a maioria dos artigos ali publicados, acrescidos de outros, escritos por profissionais que já de algum tempo vinham desenvolvendo formação sob sua orientação. Foi neste mesmo Boletim ainda, que Sándor apresentou pela primeira (e única) vez uma descrição da seqüência original dos toques da Calatonia.

Os trabalhos ali publicados já traziam, como característica mais marcante, a apresentação de uma proposta de integração das técnicas de Relaxamento (bem como de outras formas de trabalho corporal) ao trabalho psicoterápico. Refletia-se ali também, a sua orientação no sentido da adoção daquela que hoje se denomina uma “visão holística” em Psicologia. Pode-se ainda perceber nessa mesma fonte sua abertura para a hoje tão preconizada proposta do “atendimento multidisciplinar integrado”, uma vez que os cursos, embora enfatizando os aspectos psicológicos do tema, eram abertos à vários outros profissionais da área da saúde.

Infelizmente, nas edições hoje acessíveis desse livro foi excluída a apresentação da obra original, elaborada pela Professora Dra. Mathilde Neder – da PUC-SP – que integrava a edição do mencionado “Boletim”. Nesta apresentação está bem descrito o caráter pioneiro do evento que deu origem à esta publicação. Publicação esta, ainda, que veio a se tornar em uma espécie de texto básico da área, ainda hoje essencial para os nossos alunos.

Por esta mesma época (1970/71) o Prof. Sándor ministrava a cadeira de “Psicologia Profunda para o Curso de Psicologia da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento, da PUCSP. Particularmente atuava como psicoterapeuta ao mesmo tempo que realizava, em seu consultório (gratuita e seguidamente) cursos de introdução às Técnicas de Relaxamento para os alunos interessados.

Não nos cobrava por estes cursos, nem tampouco fazia qualquer divulgação dos mesmos. Nós – seus alunos – simplesmente ao sabermos de tal possibilidade pelos próprios colegas, nos organizávamos em grupos, e ele então nos recebia para a realização do trabalho.

Já desde esta mesma época circulava entre nós a clara noção de que a decisão de participar de tais grupos deveria ser “bem pensada”: não precisávamos nos preocupar com o fator financeiro; mas por outro lado, “sabíamos” (a partir de nossa experiência como seus alunos na faculdade) que a assiduidade, pontualidade, bem como a responsabilidade da nossa participação seriam efetivamente “cobradas”, ainda que sem palavras!

Mas o envolvimento de Sándor com esta área de atuação e pesquisa Já vinha acontecendo desde muito antes destas datas, conforme ele mesmo relata em um dos artigos da obra citada acima. A idealização da Calatonia surgiu a partir de suas observações durante os trabalhos que realizou nos hospitais da Europa (como médico da Cruz Vermelha) ainda durante a segunda guerra mundial(3). Conforme o seu próprio relato, seus trabalhos nesta área no Brasil tiveram inicio por volta de 1949, ano em que chegou por aqui.

Conforme sabemos, é bem mais recente a “descoberta do corpo” dentro do âmbito da Psicologia em nosso meio, bem como a atenção dada aos vários temas correlatos. Mas esses assuntos já desde o início mereciam destaque nas aulas de Sándor. Podemos citar como exemplos:

a) O interesse pelas técnicas e conhecimentos oriundos da tradição oriental – e suas respectivas fundamentações filosóficas e religiosas.

b) O interesse pelas várias formas de trabalhos ditos “alternativos” na área da saúde.

c) O interesse por Reich, e a Bioenerqética, bem como por vários outros enfoques do trabalha corporal aplicado à Psicologia.

d) O interesse pelos enfoques hoje denominados “holísticos”, de compreensão dos fenômenos humanos.

e) A ênfase em buscar muito mais os pontos de convergência do que acirrar as dicotomias entre as diferentes abordagens psicológicas, etc.

Em essência: este conjunto de idéias e posturas sobre maneiras mais inclusivas de se estimular a integração psicofísica – ainda hoje tidas como inovadoras – já permeavam as condutas adotadas por Sándor nos primeiros tempos de seu trabalho entre nós. É bom que se ressalte uma vez mais: tudo isto era muito mais presente em sua prática do que em seu discurso propriamente dito. Até porque que suas falas raramente poderiam ser caracterizadas como “discursivas”. Ao contrário, especialmente naqueles primeiros tempos, Sándor era um professor de que marcava sua forma de expressão muito mais pela precisão, parcimônia e objetividade.

Na verdade, nos mesmos primeiros tempos (quando ainda lecionava na PUC-SP, por exemplo) sua figura nos inspirava um misto de admiração e respeito, entremeado por um certo temor: sua repreensão à algum aluno que chegasse com atraso à aula, por exemplo, era algo que todos fazíamos o possível para evitar… Coisa rara entre jovens universitários do final dos anos 60, com toda a irreverência que predominava em nossa conduta como estudantes !

Mas era assim que ele conseguia que nos portássemos: em suas aulas ninguém se atrevia a acender um cigarro, nem tampouco a sair para dar uma ‘voltinha’, e depois regressar despreocupadamente, como era comum fazermos em outras aulas. Sabíamos que nos seria atribuída falta, ou pior ainda: uma das suas célebres “broncas”! Por outro lado, se um de nós pedisse sua atenção para alguma dúvida sobre os complexos temas de suas aulas, estava sempre pronto a nos atender.

Mais tarde, já nas aulas de Cinesiologia do Sedes, durante o pequeno intervalo do café a cada semana formava-se uma ‘fila’ ao seu redor: levávamos à Sándor nossos pedidos de esclarecimento, e/ou ‘dicas’ para o encaminhamento de casos e trabalhos em andamento, aos quais invariavelmente sempre dava algum retorno. Quando o assunto fosse mais complexo ou delicado, ou ainda quando partia de nós mesmos a proposta de uma conversa particular, era comum que respondesse: “O que estará fazendo 6a, feira das 12:00 às 12:15 h.?” Claro que muitas vezes remanejávamos outros compromissos para poder estar em sua sala no horário proposto, pois bem sabíamos que aqueles 15 minutos valeriam por uma “sessão”, ou por uma hora de supervisão…!

Se em alguma ocasião Sándor estendia-se mais em alguns de seus comentários, (especialmente durante as leituras grupais) assim fazia para nos fornecer informações paralelas e ampliadoras, como tão bem lhe era possível fazer, por conta de sua ampla erudição; bem como pelo acúmulo das experiências de vida de um observador atento ao mundo ao seu redor.

Essa mesma característica de suas falas podia ser percebida ainda nos comentários com que respondia às nossas dúvidas, por exemplo, diante de um sonho para nós obscuro: costumava nos oferecer em resposta, geralmente, não apenas uma “interpretação”, mas sim uma série de colocações com as quais estimulava nossa própria reflexão à respeito. Nestes momentos suas colocações muitas vezes nos surpreendiam, pois poderiam estar baseadas em fontes tão variadas quanto:

a) Algum antigo costume dos camponeses europeus, ou de alguma tribo primitiva;

b) Na análise do enredo de algum filme ou obra literária;

c) Até mesmo em um ritual de iniciação de uma civilização extinta

d) Passando por trechos de canções folclóricas brasileiras, ou alguma citação da obra de Mozart, ou outro clássico musical, etc.

Assim, nos últimos tempos, durante as atividades do curso de Cinesiologia, após a apresentação de determinados trabalhos grupais já não nos surpreendíamos se Sándor mencionasse que aquele movimento ou manobra específica correspondiam a uma adaptação de tal ou qual dança ritual, originária de um determinado povo da antigüidade, realizado em certas festividades.

A sua maneira de coordenar as atividades das leituras realizadas em grupo, também era bastante própria e pessoal. A nossa participação em tais grupos acabava por ter sobre nós um efeito paralelo à assimilação dos conceitos contidos nos textos em pauta, efeito esse semelhante à uma espécie de “lapidação” de algumas de nossas posturas intelectuais:

A maioria de nós, componentes de tais grupos, vínhamos de uma formação universitária onde a chamada “atitude critica” foi valorizada e altamente estimulada. Vivemos, com toda a sua intensidade, uma espécie de hiper-estimulação intelectual em detrimento do desenvolvimento de outras formas possíveis de apreensão do “conhecimento”. Foi nestes grupos, sob sua orientação que pudemos perceber, pouco a pouco, a diferença entre uma atitude efetivamente reflexiva diante de um texto e/ou informação, e aquela outra com que geralmente chegávamos ao grupo. Atitude esta que se expressava muitas vezes na forma de um “criticismo” exacerbado, e era portanto bem mais próxima de uma espécie de “animosidade” bem pouco construtiva… Em especial se considerarmos a quantidade de mulheres participantes!

Em seus grupos de leituras pudemos perceber – observando sua forma de “ler” nas entrelinhas – como nos seria possível (e bem mais útil) realizar uma apreensão ‘inclusiva’ das várias nuanças possíveis na interpretação da intenção do autor. Até mesmo as possíveis omissões ou enganos que nos fazia perceber em determinado texto, eram mencionadas muito mais como pistas com que apontar o caminho para um entendimento mais adequado do assunto em pauta, do que como o apontar de um “erro” do autor.

Manifestava esta mesma delicadeza natural, sempre que lidava com o material que fosse fruto do trabalhar de alguém: quer se tratasse do texto de um autor renomado, ou um dos relatos dos nossos casos, dúvidas, e/ou solicitação de orientação sobre a conduta a adotar em determinado atendimento. Nestas ocasiões acrescia ainda, às suas falas, uma dose extra de paciente atenção para com as nossas limitações.

Isto não significava, no entanto, que em certos momentos Sándor não discordasse do próprio Jung, ou de qualquer outro autor que estivéssemos estudando. Nem que não nos oferecesse um modelo bem definido de atuação, quando nele buscávamos uma orientação para nossas hesitações, fossem elas de ordem pessoal ou profissional. Nesses momentos aliava à firmeza de suas posições e opiniões (até mesmo bem diretivas às vezes) à uma atitude de respeito pela forma de ser e de pensar do “outro”.

Whitmont entre outros junguianos – em “Retorno da Deusa” – nos fala sobre o surgimento de um novo estágio de manifestação da consciência: Este novo estágio, “feminino”, de manifestação da consciência, segundo ele, caracteriza-se do seguinte modo:

“A forma feminina da consciência é global e orientada para os processos. É funcional e não abstrata e conceitual. Está isenta da estrita dicotomia do dentro-fora ou corpo-mente.”

“Não é heróica nem rebelde, não tem inclinação para lutar contra oposições. Em vez disso, existe no aqui e no agora e no fluxo do infinito.”

“Expressa a vontade da natureza e das forças instintivas e não a atitude voluntariosa de uma pessoa em particular.” (4)

Muito mais do que apenas propor e/ou nos ensinar como utilizar este ou aquele “trabalho corporal”, Sándor nos estimulava a caminhar no sentido desta expansão de consciência. E assim podermos nos aproximar de nosso “propósito” mais autêntico, tanto do ponto de vista pessoal, quanto profissional. Neste contido, destacava o trabalho com o corpo, na medida em que este recurso metodológico realizasse a função de “liberar os canais” para que tal propósito pudesse expressar-se e realizar-se, tão livremente quanto possível.

Foi desse modo que ficou registrado em mim o contato com Sándor – o professor e terapeuta. Creio que o método de trabalho que desenvolveu – e tanto se empenhou em nos transmitir – foi como que uma decorrência natural do seu modo de lidar com o humano: em si mesmo e em sua relação com as pessoas em geral, incluindo seus alunos. Fosse como Terapeuta ou como Professor, sua maneira de ser naturalmente realizava aquilo que é expresso em um dos pequenos trechos de “Meditando com os Anjos”:

“Educar é permitir que a sabedoria latente da Alma se manifeste em todos os seres, ensinando-lhes a viver.”(5)

Referências Bibliográficas:

(1) Sándor, P. (e outros), “Técnicas de Relaxamento” – Ed. Vetor – São Paulo; 4ª ed. 1989.

(2)”Boletim de Psicologia” -. Publicação Sociedade de Psicologia de São Paulo – Vol. XXI, Janeiro a Dezembro de 1969, reedição dos números 57 e 58.

(3) Ver relato sobre a “Calatonia”, na ob. cit. em 1. pág. 92 e seguintes.

(4) Whitmont, E . C., “Retorno da Deusa ” – Ed. Sumus – São Paulo – 1991. Pág. 61.

(5) Café, S., “Meditando com os Anjos” – Ed. Pensamento – São Paulo – 1992.

“Introdução ao ‘Pensamento vivo de Pethö Sándor’ – Depoimentos” – Maria Luiza Simões (Psicóloga)

Sob o título acima, no dia 30 de abril de 1992, foi realizada na PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo uma homenagem ao Dr. Pethö Sándor, então recentemente falecido.

Nesse evento, organizado e coordenado pelo Professor Dr. Efrain Bocalandro, em auditório daquela Universidade foram apresentados vários depoimentos de pessoas que conviveram com Sándor, seja como professor, terapeuta, professor ou na vida familiar.

Participaram dessa homenagem, na sua maioria, profissionais da área da Psicologia cuja formação foi especialmente marcada pelo contato com Sándor, mas também alguns de seus familiares, relatando em seus depoimentos de que forma o contato com sua personalidade marcante foi decisivo em seus trajetos pessoais e profissionais.

Apresentaremos aqui alguns desses depoimentos, começando por Maria Luiza Simões, sua esposa e companheira de trabalhos nos últimos anos vividos no Brasil. 


Depoimento de Maria Luiza Simões (
Realizado durante a homenagem prestada a Pethö Sándor pela PUC-SP em 30 de Abril de 1992) 

O pensamento está vivo…

O pensamento naqueles que aqui vivem.

Este pensamento foi implantado no corpo.

Daí a resposta instintiva: continuar, continuar o trabalho.

A notícia se espalhou: era para continuar o trabalho.

Foi uma única voz.

A resposta também foi em uníssono: SIM.

Porque aprendemos que:

não podemos fazer nada fora do nosso corpo – “Da própria pele ninguém escapa”;

as nossas pernas nos permitem trilhar o caminho;

os nossos braços nos permitem contactar;

os nossos joelhos foram feitos para dobrar-se.

Se os braços perderam o seu sentido, se as pernas estão frouxas ou paralisadas porque também se esqueceram para que servem, veias e artérias são impedidas de fazer circular o sangue quente.

E aprendi que:

devo buscar em tudo ou colocar em tudo a medida certa, a proporção adequada.

O homem não deve querer ser, enquanto homem, mais do que ele é e a Vida não deve ser encarada como menos do que ela é, se é Vida.

Daí que as coisas se invertem: não perguntar “o que eu quero da Vida”, mas sempre, “o que a Vida quer de mim”.

Devo ser o Observador por excelência. Isto é, prestar atenção. É relegere o sentido escolhido para explicar a palavra religião: ler de novo, ler cuidadosamente.

Devo ser o Observador para SABER, sabendo devo QUERER como uma criança sabe querer, querendo devo OUSAR ser livre e ser louco para farejar a meta, confiar e me entregar e ousando devo CALAR – o desnecessário, o supérfluo, o apressado -. Porque tudo tem o seu momento, se é legítimo, se é da LEI.

E não eu devo determinar isso mas a Vida o determina.

E se tudo é mesmo assim, não devo, não posso julgar.

Isso não dá em outra coisa nem significa outra coisa senão uma simplicidade absoluta. A simplicidade não carrega senão o essencial.

Daí que tudo é extremamente leve e sendo leve, tudo é possível e a alegria se instala. E a Luz se espalha.

Abro um livro e aparece o último parágrafo da Introdução:

“Para finalizar lhes peço que sigam adiante. Que nada do passado – inércia física, depressão mental, falta de controle emocional – os impeça de começar de novo com alegria e dedicação e fazer o necessário progresso que os tornará aptos para servir de forma mais útil e mais ativa. Que ninguém se veja inibido pelo passado ou pelo presente mas que possa viver como Observador, é o pedido constante e fervoroso do seu instrutor”. (O Tibetano)

O meu intelecto é uma bela armadilha, uma arma de dois gumes.

Ele corta, ele separa, para que eu possa enxergar melhor.

Mas só o Amor junta e dá forma.

O intelecto só tem sentido se está vivo.

E só está vivo se serve a AÇÃO.

Dia 28 de janeiro, logo depois, nosso caseiro-companheiro, de 16 anos de convívio, foi o primeiro a contar que tinha entendido o exemplo – nunca palavras – e que o carrega debaixo da própria pele: “Vou chamar Osmar e nós dois vamos acabar hoje mesmo, para ele, o pedaço que falta na canaleta.”

Foi a primeira homenagem, o primeiro sinal de que o pensamento está vivo, para sempre, porque implantado no corpo pelo corpo. 

“Como eles recebem o trabalho corporal? – Paciente 2” – Terapeuta Ana Maria Galrão Rios

(Revista “Hermes” – no. 1)

Quando eu estava tentando encontrar um tema sobre o qual escrever, e já a ponto de desistir, a nossa eterna aliada sincronicidade me ajudou e, numa sessão de terapia, uma paciente comentou que gostaria de ser escritora. É uma mulher adulta, profissional na área da saúde, inteligente, sensível e introvertida. Como ela tem por hábito escrever cartas, eu pedi a ela que escrevesse sobre suas impressões a respeito do trabalho corporal na terapia para que, eventualmente publicássemos nesta revista. Ela, muito corajosamente, resolveu correr o risco.

Antes de qualquer coisa gostada de agradecer a ela pela generosidade em partilhar suas experiências, pela ousadia, honestidade e sensibilidade que demonstra, neste artigo, nas sessões e na sua vida.

Seu relato foi o seguinte:

“Lá estava eu deitada naquela cama turca, coberta com uma manta xadrez que deixava as pés de fora descobertos. Naquela hora sempre tinha uma preocupação besta: “Será que meus pés estão bem limpos ? Olhava o teto e pensava que tudo aquilo era muito estranho: era de manhã, tantas coisas haviam para serem feitas em casa: montes de roupa para pôr na máquina de lavar, o almoço por fazer (acho que hoje será salsicha novamente ), todas aquelas tarefas chatas, e ainda havia o trabalho fora de casa à tarde, e eu ali, feito uma idiota olhando o teto branco, escutando as passarinhos cantando lá fora (sempre escutava um sabiá), e me sentindo terrivelmente mal.

O que me segurava ali, naquele consultório, era o sofrimento que, não sei como, havia tomado conta de mim e que agora já parecia um monstro faminto prestes a me devorar.

O meu mundo até então, feito de coisas simples banais comuns a qualquer mulher casada com filhos, profissão, casa, cachorro, gato, papagaio, parecia que desmoronava, que se desfazia como uma massa sem consistência.

O que estava acontecendo? Não sabia responder. Não sabia ver onde estava o erro.

Será que “aquilo ” faria algum bem para mim? Faria alguma coisa mudar na minha vida? Eu mudaria meu pensamento com relação ao mundo, às pessoas? Faria alguma diferença no final? Não sabia. Mas, enfim, estava ali deitada tentando fazer alguma coisa por mim mesma. Acho.

“Ela” pegava nos meus pés, dedo por dedo, e eu sentia aquele toque suave de sua mão, e, ao invés de me sentir bem, relaxada como eu achava que deveria sentir mais irritada eu ficava. A vontade era chutar sua mãe, seu rosto, gritar jogar fora as cobertas e sair correndo porta a fora.

As vezes aquilo tudo me parecia uma espécie de charlatanismo, de “benzeção”, de passe espiritual.

“Relaxe”, vinha uma voz suave de muito longe. E eu me sentia aninhar naquela cama. Às vezes as mãos cresciam parecia que ficavam enormes, como mãos de gigante. Somente as mãos ficavam enormes, o corpo continuava pequenininho. Então eu me lembrava daquele livro que havia lido na adolescência onde um homem acordava de manhã e percebia que havia se transformado em barata.

Talvez ocorra alguma transformação em mim também Talvez eu me transforme também num bicho, num gigante, ou num ser disforme com corpo pequeno e cabeça bem grande, ou corpo pequeno mãos grandes.

E então começava a ficar com vontade de rir. Rir mesmo, gargalhar. Achava aquilo tudo meio sem sentido, meio ridículo.

– “Sinta a cabeça. o pescoço, os braços. Sinta seu corpo. ” E eu escutava aquela voz suave, vinda de longe.

Mas aquele toque de sua mão continuava me irritando. Ainda havia os montes de roupa em casa ainda havia o sofrimento, ainda havia a falta de sentido em tudo, ainda havia a indiferença, ainda havia a vontade de continuar tentando. Tentando o quê? Para quê?

Estar viva sentir-se viver buscar a felicidade, estar em paz ficar em paz comigo mesma. Ser feliz!

Talvez fosse melhor procurar uma nova religião. Talvez não fosse encontrar ali, naquela espécie de massagem, ou de relaxamento (não consegui guardar a nome “daquilo “) nenhuma resposta a todas as minhas questões. Quem sabe o Budismo? Não havia tentado esta não conhecia esta religião ainda.

Mas felicidade, paz de espírito, são apenas conceitos, não são?

Aquela mão no meu rosto me dava vontade de segurar em sua mão, apertar bem forte, sentir seu toque mais forte, pedir para parar com aquilo. Não continue, por favor.

Pronto, lá vem a memória de novo, trazendo coisas velhas, esquecidas, sofridos. ” – Mãe, me põe no colo. ” Peço de novo hoje. Não era um pedido de criança mas um me põe no colo agora. Sou criança agora. Sou criança ainda Tenho quatro anos e choro.

“- Mãe, quero você agora quero seu colo, quem chorar sem motivo, sem ninguém me pedindo para eu parar.”

Pronto, acabou. Não havia mais nenhuma mão pegando no meu corpo. Que alívio! E eu lá, afundada na cama as pernas pesadas, os braços pesados, as lágrimas escorrendo pelo canto dos olhos, tentando disfarçar e sentindo um alívio tão grande, como quem passou por uma prova de coragem. A cadeira do dentista é melhor pensei, lá eu durmo.

“- Sinta seus pés, seus braços, movimente devagar seu corpo… ” a voz suave dizia.

E eu começava a me mexer a me mover e sair daquele mundo confuso e tenso. Agora vou sair correndo pela porta a fora e não volto mais. Nunca mais. Não quero mais.

“- Tudo bem? ” a voz perguntou.

“- Tudo. ” (lá vem aquela pergunta quer ver?)

“- Alguma observação?”

“- Nada (Não falei que viria?) Só um peso nas pernas”

Como poderia, em poucas palavras, descrever um universo confuso, sem seqüência, sem lógica cheio de sentimentos fortes, de vontades estranhas?

Como poderiam as palavras traduzir, filtrar o que a mente divagava em poucos minutos?

Acho melhor ficar calada.

Mas sabia que na semana seguinte começada tudo novamente: o medo, a ansiedade, a vontade de sair correndo, a vontade de chorar sem saber porque, a mão crescendo, a vontade de rir, a cabeça crescendo, sentindo-me flutuando no espaço sabendo que não estava, ou aquela sensação do mundo de cabeça para baixo, as paredes entortando, a cama virada, a acama rodando no sentido horário, no sentido anti-horário, em todos os sentidos…

Sei lá quantas coisas diferentes seriam ainda sentidas, e a resposta seria sempre a mesma: tudo bem!

Como dizer tudo isso assim com todas as letras, com todas as palavras? Soam como maluquices, invenção, me atordoam me levam para não sei onde. Melhor ficar quieta. Já vi muitos fantasmas por aí. Não os quero mais comigo.

Quem sabe isto funcione como uma espécie de exorcismo, e eles vão embora e não voltam mais.

Os fantasmas foram embora sim!

Mas não foram embora de uma hora para outra, não.

Atormentaram nas noites de insônia, invadiram meus sonhos em tenebrosos pesadelos, conversaram longamente comigo nas horas a sós comigo mesma. Alguns foram embora para sempre, outros deixaram de ser fantasmas e se tomaram amigos, mas alguns ainda estão aqui, insistiram em ficar e voltam a me assombrar quando me ponho a vasculhar os cantos de minha mente em busca de explicações ou de sentido, ou de soluções para os enigmas que surgem, para os quais não encontro, na maioria das vezes, uma resposta um caminho, e me perco com suas aparições.

Ao penetrar neste mundo meio mágico, meio místico, meio científico, meio irracional, meio emocional (desculpe, Ana, por alguns adjetivos), me encantei com tudo que passei a conhecer, e a ter uma visão diferente da que até então tinha de mim mesma do mundo ao meu redor, das pessoas que conhecia ou com quem convivo, de tudo, enfim.

Esta nova visão do mundo e este deslumbramento todo, fez com que eu passasse a falar a falar mais ou menos como a Emília, do sítio do Pica-pau Amarelo, que, após tomar as pílulas que a tornaram uma boneca falante, falou por horas seguidas até cair desmaiada.

“- É fala recolhida “, diagnosticou o Dr. Caramujo, na estória. Acho que era meu caso também: tratava-se de um problema de fala recolhida associado a outras coisas.

E, após essa falação toda tive alguns efeitos colaterais da mesma senti-me frágil e vulnerável perante uma pessoa que, de repente, conhecia tudo a meu respeito, e para a qual eu havia exposto minha alma e que, levado por mim conheceu minhas dores, fracassos, temores, anseios e vitórias, e da qual eu sabia apenas o nome e o número do telefone, para recorrer nas horas de angústia e ansiedade.

Esta dependência de outra pessoa que se instala a partir das confidências feitas, acaba também nos sufocando de certa maneira e sendo uma questão a mais a ser resolvida. Esta via de mão única me incomoda bastante. Tento ainda me esconder para não mais ser pega na minha própria rede, como quando criança entrava debaixo da cama para me esconder do farmacêutico e não tomar injeção. Sempre pensava que lá ninguém me acharia.

E ainda hoje, mesmo tendo passado todo esse tempo de terapia e a minha confiança em você chegue perto do ilimitado, eu me pergunto se realmente você tem a exata noção do peso e da responsabilidade que é entrar na vida de uma pessoa vasculhando cada canto escondido, e fazê-la acreditar que seu sonho é possível de se realizar seja ele qual for? Que não há limites para sonhar? Que não há limites para se querer ou para quando se quer tentar?

Vamos trocar de cadeira e fazer uma nova brincadeira: agora eu escuto e você fala Você vai me contar qual é a sua fantasia maior, qual seu sonho que não se realizou, sua frustração, medos, alegrias, tristezas, me dizer afinal, quem é você.

Esta é a minha fantasia maior em relação a você como terapeuta.

Afinal, é isto o que sinto como paciente de uma terapia.

Ana, agora é diretamente com você? Por tudo isso, não vou entrar nesta fantasia que posso voltar a sonhar como uma adolescente, que ainda há tempo na minha vida para me tomar uma jornalista ou uma profissional desta área porque na minha ótica é preciso mais que a vontade e o sonho. É necessário o prepara técnico para isso. Esta fantasia de sonhar e realizar os sonhos, penso ser mais sua do que minha. Talvez seja essa a sua fantasia em relação a mim.

Só estou cansada do que faço, e, num momento de fraqueza, quando a minha inteligência dormia e a minha alma perambulava, um duende plantou essa idéia não sei se em mim ou em você, ou se deixei escapar que, em dia já muito distante, sonhei em ser jornalista. Sonhei.”

Maria Isabel Marcondes Pontes

*

A Terapeuta:

“O que eu posso fazer para dar um empurrão no seu sonho, Bel, é publicar seu relato aqui. Se meu sobrenome fosse Frias, Mesquita ou Marinho, você pode imaginar, (provavelmente apavorada), onde estaríamos agora. Como eu já disse, não quero ser sua única fã. É uma posição desnecessariamente solitária…

Quanto a mim, o que eu tenho a dizer é que, enquanto cada pessoa que eu encontrar me der a oportunidade de sonhar para ela um sonho, meu trabalho tem sentido.

E tudo vale a pena.”

Ana Galrão