“Sincronicidade e o trabalho com Calatonia e toques” – Luiz Hildebrando

Reflexão apresentada no Encontro de Vinhedo (SP) junho de 1994.

Eu acompanhei um rapaz de 21 anos durante o processo de uma doença. No período final da doença ele ficou hospitalizado por 45 dias, e no hospital, o mais fundamental da nossa cantata foram as sessões de Calatonia, que eram, segundo o seu relato e conforme eu podia observar, de grande importância para ele.

Antes da hospitalização, uma colega atendeu a família, sendo que ele se envolveu bastante com as sessões que foram muito úteis para ele e para toda a família. Porém, essa ajuda deixou de ter eficácia por ocasião de uma interpretação que a terapeuta fez a respeito da negação dele em abordar o assunto da gravidade da sua doença. Ele ficou indignado, veio a sua terapia se queixando muito dela, respirou fundo para não se deprimir demasiadamente, e continuou seu trabalho. Isso me fez pensar bastante, pois realmente, para nós, psicólogos, usar essa defesa, a negação, é em geral visto como alguma coisa inadequada.

De fato, no inicio do mês de dezembro, dez dias antes de sua morte, ele fazia planos para passar o final do ano com a família e a namorada em Penedo, sendo, muito evidente que isso não seria possível. Só que ao mesmo tempo, eu via o trabalho que ele fazia em termos de harmonizar as relações com o irmão, com a namorada, de entender e perdoar ao pai, de falar com a mãe muitas coisas que não haviam sido antes faladas, conversar muito sobre religião com uma tia muito católica, um tipo de conversa que antes não tinha muita importância para de ele.

Apenas uma vez, numa conversa em que ele se colocou a hipótese de não melhorar, eu perguntei a ele o que ele pensava a respeito e ele se referiu à possibilidade de morrer, mas disse que não queria ficar pensando nisso, pois não agüentaria. Ele se preparou para enfrentar a morte sem falar explicitamente dela. Parecia, no caso dele, que se negar a falar sobre a morte era fundamental para manter-se com forças suficientes para realizar um difícil trabalho. Eu só o vi irritado uma vez nesse período mais difícil da doença; era uma pessoa que pedia as ajudas possíveis e necessárias e tinha para com as pessoas que o ajudavam um sentimento de gratidão muito visível. E era por isso um desses doentes que todos gostam.

Com a sabedoria de quem está lidando com seriedade e dignidade com o final de sua vida, ele me ensinou muitas coisas. Eu tenho também um sentimento de gratidão por ele.

Na última vez que eu o vi, precisei esperar muito tempo até que ele pudesse se livrar de dores muito intensas com o uso de bastante morfina. Quando ele estava um pouco melhor, pediu para que eu fizesse a Calatonia, e depois que acabou, esperei muito tempo até que ele acordasse e ele me disse que foi muito bom, que ele se sentia muito aliviado, sentia ter descarregado, e eu brinquei, “mas não foi só a Calatonia, tem também o efeito de uma boa dose de morfina”.

Ele me olhou muito sério e falou: “não é alivio da morfina que eu estou falando, é uma sensação de descarregar aflições que é completamente diferente”. Na verdade, acho que eu estava sem jeito porque eu tinha um desejo de fazer muito mais do que podia, e ele me chamou a atenção para o fato de que aquilo que eu podia era o essencial, era o que tinha importância. Eu só posso dizer que esse tipo de sabedoria não é típico de um paciente que usa a negação maníaca como defesa, já que essa defesa nos afasta da realidade, nos torna cegos.

A idéia que ficou em mim foi que ele usou a negação de uma forma que, ao invés de se ligar na idéia da morte, ele saiu em busca daquilo que não morre, daquilo que é essencial, daquilo que não é efêmero. Tenho convicção que a Calatonia o ajudou nisso, mas coma é que isso aconteceu?

O trabalho com Calatonia formulado pelo Sándor, além de buscar uma descontração ao nível muscular, nos permite entrar em contato com estados alteradas de consciência, com sensações e percepções, com imagens e emoções, nos permite entrar em contato com uma dimensão da realidade que está além da esfera cotidiana.

A característica marcante da Calatonia é a suavidade.

São toques suaves “como se segurássemos bolhas de sabão”, nos dedos dos pés ou das mãos, na sola doe pés, nos calcanhares, na “batata” da perna, na nuca, que, conforme relato do Sándor no livro de relaxamento a respeito da época em que criava a Calatonia, num hospital da Cruz Vermelha durante a Segunda guerra, ela “produzia descontração muscular, comutações vasomotoras e recondicionamento do ânimo dos operados numa escala pouco esperada.”(1)

É muito significativo o fato de o verbo grego “Khalaó” indicar “relaxação”, mas também “alimentação”, “afastar-se do estado de fúria, violência”, “abrir uma porta”, “desatar as amarras de um odre”, “deixar ir”, “perdoar aos pais”, “retirar todos os véus dos olhos”, etc.

Então, a Calatonia nos ajuda a entrar em contato com o inconsciente, e quando pedimos para o paciente para relatar as observações, após uma sessão de relaxamento, nós o estamos estimulando a abrir canais de ligação com a consciência.

A idéia do inconsciente é fundamental na psicologia Junguiana. Até mesmo a existência do inconsciente já foi muitas vezes questionada até por que ele se define a partir de uma negativa – aquilo que não é consciente. Porém, por um lado, sem a postulação do inconsciente, a maior parte dos fenômenos da consciência não seriam inteligíveis. Além disso, o inconsciente tem o mesmo direito de existência que tem a luz não visível, já que o fato de que conscientemente conhecemos apenas uma pequena faixa do espectro luminoso não é argumento para se afirmar que não existem aqueles comprimentos de onda que não vemos.

O incosnciente tem também o mesmo direito de existência que as partículas subatômicas. Nós também não vemos um elétron, só as marcas que ele deixa, e da mesma forma, inferimos os conteúdos do inconsciente através de suas marcas deixadas nos sonhos e fantasias.

Para Jung, “a psique inconsciente é anterior à psique consciente”.

É mais velha e incomparavelmente maior. Da mesma forma que a psique da criança é inconsciente e só gradualmente desenvolve-se uma condição consciente, coisas que não conhecemos hoje, que só conheceremos no futuro, já existem no inconsciente”(2).

Esta afirmação contém em si a grande diferença entre as idéias de Jung e as de Freud sobre o inconsciente: a da função prospectiva dos sonhos e do Inconsciente. Ou seja, da o inconsciente não simplesmente reage às atitudes conscientes, apesar de que isso também acontece – a função de compensação do inconsciente – mas ele nos organiza e nos guia.

Por exemplo: uma mulher de aproximadamente 50 anos, agressiva, inteligente, médica bem sucedida, pela primeira vez faz uma terapia. Tem um sonho inicial em que ela está em um caminho, tem um longo percurso já caminhado, e encontra uma senhora mais velha, toda arredondada, com anquinhas, gordinha. Uma velha simpática. Continuam juntas a caminhada, e há um longo caminho pela frente.

A sonhadora é uma mulher muito preocupada com sua aparência física, com manter-se magra, jovem, com a pele esticada. A terapeuta fala que esta mulher poderia ser ela, a sonhadora, no sentido da velhice que estava sendo reprimida, não vivida, encoberta.

Eu penso que também poderia ser um sonho anunciando a velhice: a menopausa que já estava presente arredonda, muda a forma do corpo; Então, olhando de maneira prospectiva o sonho, um sonho inicial, ele poderia estar anunciando o que ela foi fazer lá, na terapia, mostrando o que significaria esse caminho para ela: um envelhecer arredondado, aceitar isso.

Ela achou aquilo demais para ela, e não continuou o trabalho. Voltou muitos anos depois, tendo sofrido bastante pela maneira pontiaguda de ser.

Então, poderíamos olhar um sonho assim e explicá-lo através do conteúdo reprimido ou não aceito, mas isso não esgotaria o assunto, pois podemos nos perguntar para onde o sonho está apontando.

Um outro sonho é o de uma paciente que procurou terapia depois que teve um câncer na seio com metástases no pulmão e no fígado, já tenda iniciado uma quimioterapia. Na primeira sessão, trouxe um sonho no qual ela estava fazendo uma grande faxina em sua casa com ajuda de uma amiga, sentindo-se bem por fazer aquilo e por ser ajudada. Eu tive a sensação que era um sonho que trazia um bom prognostico para a terapia, mesmo que eu não ousasse supor o mesmo a respeito da

Doença, mas parecia que a faxina era importante e traria alívio. Ficou inicialmente apenas três meses em terapia, fazendo ao todo poucas sessões pois muitas vezes não tinha condições de vir por causa das efeitos da medicação. Foram sessões muito intensas que tiveram um caráter bastante claro de limpeza em termos emocionais principalmente na sua ligação uma única filha adolescente. Teve de fato nesse período muita proximidade e ajuda desta amiga, e teve uma melhora que não era esperada pelos médicos, pois desapareceram os nódulos no fígado, e ela pode fazer uma operação para retirada do tumor no pulmão.

São exemplos que nos sugerem que as coisas acontecem antes no inconsciente. Nas palavras de Jung “Somos um produto, somos antecipados, nós somos pensados pela nossa psique antes que saibamos disso, nós éramos e não sabíamos, isto era por assim dizer, sabido, mas temos que deixar aberta a questão de quem é que o sabia” (3). Ou seja, “o inconsciente situa- se em um plano subjacente ao plano visível, e de algum modo o sustenta”.(4)

Então se, subjacente a este plano, um outro nível o sustenta, o antecipa, podemos pensar que lá existe aquilo que é fundamental.

Nós, psicólogos, nos acostumamos a dizer coisas como que o tempo no inconsciente e nos sonhos é relativo, que as leis do inconsciente são diferentes. De fato, inferimos empiricamente através de observações de observações de sonhos que parece existir diversas camadas e nas camadas mais profundas há uma relativização de tempo e espaço, e mesmo do que é objetivo e o que é subjetivo.

O mundo objetivo e o mundo subjetivo normalmente são vistos como independentes um do outro, sendo que a realidade objetiva com uma importância maior do que meras idéias ou fantasias, tendo por isso o direito à chamada existência real. O tempo é sentido como contínuo e regular, avançando linearmente numa marcha e direção constantes. Assim sendo, a afirmação de que existe um plano no qual o objetivo o subjetivo se encontram e que o fluir do tempo se relativiza, subverte esta visão tradicional da realidade. Estamos tão acostumados com a existência do inconsciente que ele acaba fazendo parte da nossa vida sem que pensemos muito nele, sem que nos perguntemos qual é a conseqüência dessas coisas que afirmamos, ou seja, pensamos no inconsciente como se ele não fizesse parte da realidade.

De fato, sempre se pensou numa realidade objetiva independente do observador, independente da psique; mas então, a que realidade pertenceria esse observador?

Se são dois mundos paralelos, duas realidades em paralelo, a psique e a realidade objetiva, desligados um do outro, ou seja, se o que acontece no inconsciente não interfere na realidade objetiva e vice-versa, se um mundo apenas observa o outro, então nos é permitido afirmar que no inconsciente as leis são diferentes. Mas se percebemos alguma relação entre eles fica tudo mais complicado e em primeiro lugar o próprio conceito de realidade tem que ser alterado.

Para Jung a psique pertence à natureza e ao mundo real. No prólogo do seu livro de memórias, Jung descreve o que é o inconsciente para ele: ” A lembrança dos fatos exteriores de minha vida, em sua maior parte esfumou-se em meu espírito ou então desapareceu. Mas os encontros com a outra realidade, o embate com o inconsciente, se impregnaram em mim de maneira indelével em minha memória”.

“Tudo o que repousa no inconsciente aspira a tornar-se acontecimento, e a personalidade, por seu lado, quer evoluir a partir de suas condições inconscientes e experimentar-se como totalidade”.(5)

Em seguida: “A vida sempre se me afigurou uma planta que extrai sua vitalidade do rizoma; a vida propriamente dita não é visível, pois jaz no rizoma. O que se torna visível sobre a terra dura só um verão, depois fenece… Aparição efêmera. Quando se pensa no futuro e no desaparecimento infinito da vida e das culturas, não podemos nos furtar a uma impressão de total futilidade; mas nunca perdi o sentimento da perenidade da vida sob a eterna mudança”.

A verdadeira realidade para Jung é a realidade interior. Ele fala de “meros fatos” ao invés de “meras fantasias”, como nos acostumamos a ouvir.

Agora, como é que se apresenta essa tal ligação entre o mundo objetivo e o mundo subjetivo? O fenômeno que Jung chamou de sincronicidade aponta nessa direção. Ele chamou de sincronicidade certas “coincidências” que ele observou entre um acontecimento no mundo objetivo e um acontecimento psíquico, ligados por terem uma relação de significado, não necessariamente simultâneas mas próximos no tempo, e não ligados por uma relação causal que pudesse ser observada. Nós não esbarramos com acontecimentos deste tipo todos os dias talvez porque normalmente somos incapazes de imaginar ou de admitir acontecimentos inexplicáveis, ou seja, que não tenham uma ligação causal.

Fui procurar no dicionário Aurélio a definição da palavra causa: “aquilo ou aquele que faz que uma coisa exista: não há efeito sem causa.” Isso é revelador de uma mentalidade, é um pensamento enraizado: se algo não foi causado por alguma causa não tem o direito de existir; não pertence à realidade. Seria o mesmo que dizer: “esses fenômenos de sincronicidade não existem”.

De qualquer forma, talvez cada um de nós possa lembrar algum acontecimento deste tipo que experimentou, já que normalmente ele provoca uma forte impressão. E também cada um de nós talvez possa se lembrar dos esforços que deve ter feito para procurar alguma explicação, para “entender” o que aconteceu, para descobrir uma causa.

Quando uma amiga precisou fazer uma operação delicada, no momento programado para a operação eu estava no meu consultório, com a informação que a operação duraria pelo menos umas cinco horas.

Eu estava muito aflito, e desmarquei as sessões e fiquei concentrado e desejando que tudo acontecesse da melhor forma possível. Exatamente às 10:15 h, uma hora e quinze minutos depois que deveria ter iniciado a operação, eu me vi desligado daquela preocupação, me senti tranqüilo e resolvi recomeçar a trabalhar, e tranqüilizei a secretária que também estava muito aflita, dizendo que agora estava tudo bem.

No final da tarde recebi a noticia que a operação tinha sido bem sucedida e que tinha durado muito menos do que se esperava, tendo acabado às 10:15 h! Fiquei bastante impressionado, pois eu não havia pensado: “agora já terminou a operação, já posso voltar a trabalhar”, eu simplesmente tive a certeza de que estava tudo bem.

Fui procurar o que Freud disse a respeito de coisas como essa, porque Freud era totalmente avesso a qualquer coisa que não tivesse a chamada explicação científica ou causal.

Num artigo chamado “Sonho e Ocultismo”(6), ele descreve um sonho supostamente telepático de um indivíduo que tinha uma filha que morava distante e que esperava um filha para meados de dezembro, e na noite de 16 para 17 de novembro sonha que sua segunda mulher, madrasta dessa filha, e da qual ele já se separara, teve filhos gêmeos. Recebeu depois, no dia l8 de novembro, a noticia telegráfica de que sua filha tivera gêmeos, aproximadamente a mesma hora em que ele sonhou.

Freud procura uma explicação, e supõe que as idéias latentes do indivíduo fossem as seguintes: “Hoje é o dia do parto, se é como eu penso minha filha se equivocou num mês ao calculá-lo. Seu aspecto, a última vez que a vi, demostrava a possibilidade de um duplo parto. Minha defunta mulher gostava muito de crianças. Como teria ficado feliz se tivesse tido filhos gêmeos Neste caso teriam sido suposições bem fundamentadas do indivíduo, e não uma mensagem telepática, o estímulo do sonho.” É uma quantidade tão complicada de suposições que a hipótese de telepatia parece até mais provável.

Na minha experiência descrita, poderíamos fazer um raciocínio semelhante, demonstrando assim a possibilidade da causalidade nos dois eventos, ficando somente, tanto neste caso como na minha experiência, faltando dizer algo a respeito da coincidência temporal, que em geral acabamos por deixar por conta do mero acaso, e foi o que Freud fez.

Nós sempre podemos procurar algum tipo de explicação estilo ‘o quê causou o quê’, mas às vezes parece um pouca forçado, como por exemplo: às vezes eu ouço alguém tentando “provar” que a astrologia é científica supondo misteriosas radiações dos planetas.

Parece-me mais provável que a explicação causal simplesmente não seja a única possível para uma dada situação, não esgotando as possibilidades dela, ou seja, mesmo que, no exemplo de Freud, as idéias latentes do sonhador fossem aquelas, não acho que dizer simplesmente que ele sonhou aquilo porque havia pensado antes aquelas idéias esgota aquele acontecimento, pois ele me parece mais complexo; isso é apenas uma abordagem, é apenas um dos lados.

Acho que os dois pontos de vista não precisam estar necessariamente em conflito, podendo ser simplesmente duas maneiras diferentes de se olhar o mesmo fenômeno. As vezes essa idéia me fica mais clara ao fazer uma analogia com os fenômenos da física subatômica. Vou ler uma citação do livro “O Tao da Física”(7): ” As unidades subatômicas da matéria são entidades extremamente abstratas e dotadas de um aspecto dual. Dependendo da forma pela qual as abordam, aparecem às vezes como partículas, às vezes como ondas e essa natureza dual é igualmente exibida pela luz, que pode assumir a forma de ondas eletromagnéticas ou de partícula.”

E com relação aos fenômenos psicológicos, conforme o seu ponto de vista, dependendo da sua concepção do inconsciente, você vai ter uma consciência diferente a respeito de você mesmo ou da mundo. Ou ao contrário, conforme a sua consciência, você vai enxergar os fenômenos psíquicos de maneiras diferentes. Eu penso que não se trata do inconsciente ser isso ou aquilo, ele não é algo concreto que podemos revelar com precisão; ele também é uma entidade extremamente abstrata e dotada de um aspecto no mínimo dual, da mesma forma como o físico se referia às unidades subatômicas. Dependendo do meu olhar, eu vou ver coisas diferentes.

Há um antiga conto que diz o seguinte: havia uma cidade onde todas as pessoas eram cegas. Um dia surgiu um rei com seu exército. Ele usava um terrível animal, um elefante, para atacar e intensificar o temor do povo. Alguns cegos daquela população procuraram se aproximar do animal e se puseram a tateá-lo. Quando voltaram para a cidade, todos queriam saber a forma e o aspecto dele. O primeiro, que apalpara a orelha do elefante, informou: “é uma coisa grande, rugosa, larga e grossa como um tapete felpudo”. O outro, que apalpara a tromba, disse: “trata-se de um tubo reto e oco, terrível e destruidor”. O terceiro, que tocara as patas, declarou:” é algo poderoso e firme como uma pilastra”. (8)

Então, o fato é que a existência, mesmo que não seja rotineira, de antecipações (em sonhos) ou da telepatia – transmissão de informações através daquilo que chamamos inconsciente, e de uma maneira genérica, dos fenômenos de sincronicidade, faz supor a existência de um nível onde o exterior e o interior se encontram.

Há um físico inglês, David Bohm, professor de mecânica quântica, que viveu durante dez anos na Brasil na época da criação da USP. Estava ocupada com questões que envolviam as relações entre observador e observado quando sua mulher, também física, achou um livro sobre o assunto pensando tratar-se de um livro de física, e que era um livro de Krishnamurti, filósofo e espiritualista indiano. Ele procurou o Krishnamurti e ficaram amigos, sendo que existem alguns livros de conversas entre os dois.

A partir das questões colocadas a respeito da “natureza” da matéria, da luz e da própria realidade pela física quântica, e também dessas relações ou interferências do observador no fenômeno observado, David Bohm procura uma nova noção de realidade; que abarque também a consciência, e fala da ordem implícita. ou dobrada, onde espaço e tempo, não são os fatores dominantes que determinam, as relações de dependência ou independência de diversos elementos, e da qual deriva uma ordem explícita ou desdobrada, onde aparecem nossas noções ordinárias de espaço e tempo, e também de existência separada de partículas materiais, que seriam abstrações derivadas daquela ordem mais profunda.(9)

Jung se referia a uma realidade implícita, no livro Sincronicidade, onde ele diz: “um conteúdo (psíquico) percebido pelo observador pode ser representado, ao mesmo tempo, por um acontecimento exterior, sem nenhuma conexão causal. Daí se concluir ou que a psique não pode ser localizada espacialmente, ou que o espaço é psiquicamente relativo. O mesmo vale para a determinação temporal da psique ou a relatividade do tempo.” (10)

Essa dimensão da realidade, este nível do inconsciente é o nível Arquetípico segundo a linguagem Junguiana, é nível implícito segundo o físico David Bohm, é onde o espaço e o tempo são relativos, ou onde as ligações entre os fenômenos não são determinadas pelo espaço e pelo tempo. É onde a realidade subjetiva e objetiva se ligam, não por causa e efeito. E é esse ponto, na ligação entre os fatos, que nos aparecem como sincronicidade.

Ao nos ajudar á abrir canais de ligação, a Calatonia nos coloca em contato com esse nível onde esses fenômenos acontecem com freqüência maior do que aquela com que estamos acostumados.

Como eu posso afirmar que a Calatonia ajudou o meu cliente?

Só sei que Sincronicidade é ligação, e ao mesmo tempo significado.

Isso o teria ajudado a se ligar com algum sentido maior para o qual ele estava vivendo? Impossível saber, eu posso dizer o que já afirmei, que eu sentia que era muito importante.

Agora vejam, observo o seguinte em minha profissão: quando as pessoas que me procuram me trazem questões com as quais eu mesmo estou me defrontando naquele momento – como se aparecessem na hora certa – eu percebo uma ligação de sentido com o que está acontecendo comigo, ou seja uma ligação de sincronicidade. Nesse caso se estabelece uma ligação “via alma” entre eu e o meu cliente e entre eu e o meu trabalha. Passa a fazer sentido para mim o que faço: a sensação de não fútil, não fortuito, mas essencial.

E assim, não posso forçar uma relação de sentido, mas posso procurar abrir os canais para perceber o sentido, e isso a Calatonia me ajuda a fazer.

É por isso que Sándor nos orientava para que mantivéssemos na consciência a existência do chamado “terceiro ponto” enquanto estivéssemos fazendo a Calatonia. Porque o que acontece ali não é uma simples troca energética entre eu e o meu cliente, mas um contato de ambos com algo maior. E assim, a energia se encaminha para onde for adequado. Dessa maneira nós procuramos descobrir o sentido que já existe.

Michelangelo descreveu uma vez seu trabalho de escultor: “a forma já está na pedra, eu só tiro o excesso”.

Nós precisamos aprender a olhar.

Citações:

(1) Sándor, P., “Técnicas da Relaxamento”, Ed. Vetor.

(2) Jung, C.G.: “Psicologia Moderna”, Seminários, (tradução para uso em grupos de estudos) pág. 151.

(3) Idem, pág. 152.

(4) Campbell, “O Poder do Mito” (Os primeiros contadores de histórias, pág. 76).

(5) Jung, C.G.: “Memórias, Sonhos e Reflexões”.

(6) Freud, S.: “Novas contribuições à Psicanálise”.

(7) Capra, F.: “O Tao da Física”.

(8) Shah, I.: “História de Dervixes”, Ed. Nova Fronteira

(9) Bohm, D.: “Wholeness and the Implicate Order”.

(10) Jung, C.G: “Sincronicidade”, Ed. Vozes, parágrafo 936.