“Algumas observações e comentários após relaxamento” – Isis Meira

O verbo relaxar, é popularmente entendido como significando soltar, distensionar. No Aurélio encontra-se: “Relaxar V.T. Tomar frouxo ou lasso, debilitar, enfraquecer, afrouxar, perder a força ou o vigor. Relaxação sf. Diminuição do vigor muscular.

Mesmo entre profissionais da área da saúde muitas vezes é assim que se compreende relaxamento: é uma técnica usada para soltar as tensões.

Uma vez um médico me disse que era contra-indicado aplicar relaxamento em hipotônicos, porque eles ficariam mais hipotônicos ainda. Desde então preocupo-me em enfatizar para alunos e clientes que os objetivos do relaxamento são: o equilíbrio físio/psíquico e o desenvolvimento da consciência, e que portanto, tanto pessoas hiper-tônicas ou que tendem á hipertonia, como pessoas hipo-tônicas, ou que tendem à hipotonia, se beneficiam como relaxamento e o trabalho corporal de modo geral.

Outra crença é a de que durante um relaxamento a sensação deve ser de bem-estar, satisfação. Deve-se pensar apenas em coisas boas, e para isso, dirige-se o pensamento, afastando-se o que não é considerado agradável e provocando-se o que é considerado agradável. Por isso também enfatizo a importância do deixar acontecer e do lidar com o que surge, aceitando e acolhendo todas as manifestações, mesmo as consideradas desagradáveis, reconhecendo que muitas vezes, estas liberações do inconsciente podem surgir como desconforto, angustia, dor.

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Algumas observações colhidas em minha vivência clínica ilustram os comentários acima feitos:

Quando M. fez pela primeira vez um relaxamento em minha clínica, suas observações foram de que nada tinha percebido e nada tinha mudado. Sentia-se como antes, o que, provavelmente significava que de nada tinha adiantado fazer relaxamento.

Foi-lhe explicado que não necessariamente, ela deveria sentir coisas diferentes e que ela continuasse a observar, para ver o que surgia.

No dia seguinte M. telefonou pata a clínica contando que não tinha dormido durante toda a noite devido a um enorme cansaço que estava sentindo, e acrescentou: – eu me sentia tão cansada, que era como se eu tivesse carregado um grande saco pesado por muito tempo e agora eu o tivesse posto no chão.

Essas observações são cheias de significado e nos informam da eficiência do relaxamento para a liberação das tensões e dos conteúdos contidos no inconsciente.

M. entendeu a mensagem e percebeu o quão importante fora aquele trabalho corporal pata o alivio de suas tensões e a consciência de como estava seu corpo.

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S. fazia relaxamento em uma de suas sessões de terapia quando apresentou um forte tremor que percorreu a sua coluna, chacoalhando todo o corpo. Após este tremor S. relatou que percebeu todo o corpo alinhado. Como terapeuta, pude também observar o tremor relatado e seus efeitos no corpo de S. Pensei comigo mesma: se eu quisesse instruí-lo a alinhar o corpo conscientemente, ou se ele tivesse querido fazer isso sozinho, não feriamos conseguido efeitos tão surpreendentes, mas o corpo “sabe” como fazê-lo.

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V, tinha sofrido um acidente vascular cerebral e apresentou uma afasia severa. A única verbalização inteligível de V era uma oração dita em iídiche compulsivamente, durante todo o tempo. Tomava-se difícil trabalhar com v já que não podíamos contar com sequer um minuto de silêncio ou de atenção por parte de V A oração era dita em voz alta e seguidamente, sem que v atendesse aos apelos pata parar de rezar e se voltar pata o trabalho com a fonoaudióloga. Decidi, então, aplicar-lhe a Calatonia, e com o auxílio de gostos, a conduzi para a cama, tirei seus sapatos e meias, ajudei-a a deitar-se, cobri seu corpo e comecei o relaxamento. v continuava a rezarem ritmo acelerado e voz alta. Algum tempo depois notei que V. desacelerava a fala e abaixava sua intensidade, tornando sua compulsiva oração mais e mais inaudível e lenta, até que fez silêncio e permaneceu quieta.

Terminado o relaxamento V. mostrava-se tranqüila e pode ser conduzida à mesa onde os trabalhos coma fonoaudióloga foram realizados com atenção e interesse.

Posteriormente, a família me informou que após algum tempo de terminada a sessão, V. tinha voltado a usar sua fala compulsiva. Na sessão seguinte, repetimos o procedimento e voltamos a aplicar a Calatonia. Foi observado efeito semelhante ao da sessão anterior e decidimos usar o procedimento em todas as sessões .

Pudemos, assim, realizar um trabalho de recuperação de sua linguagem que foi desenvolvendo e substituindo gradativamente seu comportamento de fala compulsiva e seu jargão.

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J. também tinha sofrido um acidente vascular cerebral e tornara-se afásico. Sua compreensão da linguagem verbal estava prejudicada, bem como sua expressão verbal. J. conseguia dizer apenas palavras isoladas esporadicamente.

Após primeira sessão de Calatonia J. sentou-se na cama pensativo, depois olhou para a terapeuta, colocou a mão sobre o coração, e com olhos cheios d’água e uma expressão, facial e entonação de voz emocionadas disse: Bommm! Bommm!, prolongando o som final cheio de sentimento, que parecia gratidão, satisfação e compreensão do valor daquele trabalho para a sua recuperação.

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N. em adolescente, não ” gostava” de ficar parado e muito menos, parado, deitado e de olhos fechados. Recusava-se a fazer relaxamento, embora tivesse grande necessidade. Durante um certo tempo da terapia as propostas de trabalho corporal continham sempre movimentos, onde N. era ativo. Assim ele aceitava. Quando solicitado a verbalizar suas observações á respeito do trabalho corporal realizado, N. dizia sempre que nada observava e que não gostava “disso de observar”. Seus comentários eram no máximo: ” – Ah! Isis, foi bom eu não sei dizer o que senti!”

Um dia, durante uma sessão, arrisquei a sugestão de fazer Calatonia. Surpreendentemente N. aceitou a sugestão. Ficou deitado em decúbito dorsal, olhos fechados, durante todo o trabalho. Não quis comentar suas observações e disse apenas: -Foi bom.

Na sessão seguinte N. falou: -“Faz aquele do pé” A sugestão foi aceita e N. agora faz esta solicitação com freqüência e começa a se abrir para verbalizar suas percepções.

Durante um curso sobre trabalho corporal que ministrei em Viena, Áustria, para grupos de fonoaudiólogas, fizemos com todo o grupo diferentes trabalhos corporais e enfie eles a Calatonia.

Após um período de trabalho, sentamos para os comentários e discussões e uma das alunas falou: – “estou me sentindo diferente. Antes eu me sentia como uma pessoa assim” e acrescentou um gesto no qual os dedos das mãos se juntam sobre a cabeça e as palmas se separaram formando uma pirâmide com a base sobre a cabeça e a ponta fechada para o alto. E continuou: – ” Agora estou me sentindo assim”. E inverteu a pirâmide, deixando a ponta virada para a cabeça e a base aberta para o alto.

Todo o grupo entendeu o significado da simbologia usada e acrescentou suas observações que falavam de crescimento, de ligação com “algo” espiritual, de abertura, de equilíbrio, de contato com o subjetivo e da nova experiência em lidar com estímulos sutis. Uma delas trouxe uma preocupação dizendo: “- Eu posso entender este processo e o valor disso tudo para a nossa terapia, mas como posso explicar a meu cliente estas reações? você não acha que ele pode ficar pensando que isso é coisa de magia”? A discussão foi aberta para o grupo, que trouxe opiniões, temores de não serem consideradas tão cientificas e também impressões positivas, de compreensão das reações apresentadas.

Comentei que também aqui no Brasil havia esta preocupação por parte de alguns terapeutas, mas que estas manifestações poderiam ser lidadas de forma científica, coerente com nossa formação profissional e humana. Eram formas humanistas sutis, de trabalhar, que lidavam com conteúdos subjetivos e seguiam os princípios do paradigma das ciências Humanas, emergente neste final de século. Comentei ainda a importância de sabermos acolher as reações, os sentimentos do paciente deixando-o livre para expressar qualquer conteúdo que surja e ajudando-o a ampliar seu nível de consciência.

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P. verbalizou uma vez, após a aplicação de Calatonia: -“Eu não sabia quando eu terminava nem quando você começava. Nossas energias se misturavam como se uma fosse o prolongamento da outra”.

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Uma vez, nos Estados Unidos propus-me a aplicar a Calatonia num professor da Universidade, psicólogo, Junguiano, mas que não conhecia a técnica de relaxamento apresentada. Após o relaxamento ele sentou na cama, me olhou e disse: “Are you a witch?” – “Você é uma bruxa”? e começou a me falar de suas ricas percepções.

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T. era gago, pedreiro de profissão. Pedia que eu lhe fizesse relaxamento e em suas observações, dizia por exemplo: “eu agora estou me sentindo ‘no prumo’.”

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Em minha última visita a Viena fui convidada a visitar uma médica ortopedista que tinha no computador do hospital em que trabalhava, um programa de feedback, dito excelente para relaxamento. Senti curiosidade em experimentar.

Fui muito bem atendida pela médica que fez em mim um de seus primeiros atendimentos com o programa. Ela me perguntou se eu tinha no corpo algum músculo que eu considerava tenso. Falei sobre um grupo muscular na área cervical (músculo, trapézio, elevador da escápula entre outros), especialmente doloridos e inflamados, devido a meu esforço em cortejar mala pesada durante a viagem.

Ela colocou uns eletrodos sobre os músculos referidos, e ligou o programa, que mostrava um circulo laranja claro grande e um outro circulo laranja escuro no centro deste. Ela me pediu para tentar relaxar a musculatura cervical atingida e explicou que na medida em que eu conseguisse relaxar, o circulo laranja escuro que estava no centro, se ampliaria, tomando gradativamente o lugar do circulo laranja claro. Se eu voltasse a tensionar, o círculo laranja escuro diminuiria novamente de tamanho.

Eu deveria tentar ampliar ao máximo o circulo laranja escuro e ver até onde eu conseguiria, sendo que o tônus ideal seria atingido quando o circulo escuro tomasse totalmente o lugar do circulo claro. Comecei concentradamente minha tentativa de relaxar e o círculo laranja escuro começou a crescer, indicando que o músculo estava se distendendo e relaxando.

Em um determinado ponto senti dor e, nesse momento, o círculo se reduziu rapidamente. Comecei novamente a tentar relaxar, mas toda vez que eu distendia o músculo, chegava no ponto da dor e o circulo se reduzia. A médica, então, propôs que eu tomasse, diretamente nos músculos atingidos, uma injeção analgésica, explicando que com a dor eu não conseguiria relaxar.

Pedi, no entanto, para antes, fazer uma experiência diferente. Expliquei que minha amiga que me acompanhava tinha aprendido, no curso que ministrei, uns toques sutis, de autoria do Dr. Pethö Sándor e também, o que ele chamou de “toques sem toque”, tendo todos o objetivo de trabalhar o equilíbrio fisio-psíquico.

Eu pediria para, enquanto eu estava diante do computador, com os eletrodos colocados sobre a musculatura cervical referida, minha amiga executasse alguns toques e toques sem toque nesta musculatura e em outros pontos específicos do corpo. Eu gostaria de observar como o circulo laranja escuro se comportaria sem que eu interferisse mentalmente provocando o relaxamento.

Fiquei passiva, tentando deixar acontecer, mas observava o círculo. Após algum tempo de toque (alguns segundos), o círculo começou gradativamente a crescer, superando o ponto de dor anteriormente atingido. Ele não chegou a cobrir totalmente o circulo laranja claro e reconhecemos que precisaríamos de mais outras sessões para que aqueles músculos machucados e cansados atingissem um suposto equilíbrio. Comentei com a médica que aquela máquina era muito interessante para comprovar o nosso trabalho, mas que ela não poderia nos substituir satisfatoriamente. Creio que ambas nos enriquecemos com a experiência e eu lhe fiquei muito grata.

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B. após uma sessão de relaxamento, foi solicitada a executar movimentos com os pés, mãos, cabeça e respiração e, em seguida, a abrir os olhos e levantar. Quando tentou abrir os olhos B. percebeu que não conseguiria porque os tinha soltado muito. Seus músculos não obedeciam comando. O terapeuta estava do seu lado e lhe solicitou, tranqüilamente, que continuasse a fazer os movimentos e depois fechasse e abrisse os olhos vigorosamente e em seguida levantasse. B. podia mexer todo o corpo, menos os olhos e por isso não os abria. só depois de muitas tentativas e de movimentos mais vigorosos com o resto do corpo foi possível para B. abrir os olhos. Ela estava tranqüila, confiava no terapeuta, na técnica de relaxamento recebida e entendeu a mensagem dada pelo corpo naquela ocasião.

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R. experimentava, durante uma certa época, que ao fazer relaxamento, todo o seu corpo se endurecia. Os músculos gradativamente iam ficando rígidos e se endureciam até se tornar insuportável aquele enrijecimento e a ausência de respiração. A musculatura então se soltava por a1gum tempo, e R. voltava a respirar em ritmo normal. Assim R. ficava durante toda a aplicação da técnica e terminava cansada. Após algum tempo, no entanto, observava alívio, soltura e bem-estar. Este processo durou algum tempo durante a terapia de R. e depois as manifestações se modificaram.

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Apenas através da experiência vivida é possível entender o que é relaxamento, sua extensão e profundidade em benefícios que ele traz ao corpo e ao espirito. Com a vivência continuada de relaxamento o corpo torna-se sensível, aberto às percepções mais sutis ampliando assim seu nível de consciência e atingindo gradativamente o equilíbrio fisio-psíquico.